MP tinha 45 mil apurações de improbidade abertas em 2021
Supremo Tribunal Federal julga se nova regra da lei tem validade retroativa
Os Ministérios Públicos Estaduais e Federal tinham 45,8 mil inquéritos e procedimentos investigatórios sobre atos de improbidade administrativa em andamento em 2021 -- ano em que a Lei de Improbidade foi alterada pelo Congresso e pelo governo Jair Bolsonaro (PL).
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Parte dessas investigações pode ser arquivada, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) decida pela retroatividade de uma das regras da nova lei para casos anteriores a ela: a que exige comprovação de que os atos de improbidade foram cometidos com intenção (ação dolosa).
O entendimento é o do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, que começou a ser julgado na 4ª feira (2.ago), no plenário do Supremo. A decisão da Corte no caso servirá de "regra geral" para demais processos do tipo no país, sobre a aplicação retroativa das novas regras da Lei de Improbidade, de 2021.
A nova lei introduziu, além da necessidade de comprovação de dolo, prazo mais curto para prescrição dos processos, exclusividade do MP de mover ações na Justiça, entre outras medidas - consideradas, pelo Ministério Público, um retrocesso no combate à corrupção.
A Lei de Improbidade é de 1992. Buscou coibir, na esfera cível, os desvios de políticos e servidores no exercício da função, como enriquecimento ilícito, prejuízo aos cofres públicos e violação dos princípios da boa administração. Sob protestos, a lei foi alterada em outubro de 2021, beneficiando políticos e servidores alvos de processos.
Dados
O SBT News reuniu dados sobre casos de improbidade administrativa, no Ministério Público Estadual e Federal, que dão uma dimensão do universo de investigações que podem ser afetadas pelo entendimento que terá o STF.
Os números são compilados pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e podem ser consultados no site do órgão. A reportagem reuniu os inquéritos civis e procedimentos preparatórios - que ainda não viraram ação na Justiça -- de 2019, 2020 e 2021, abertos, finalizados e em andamento.
No ano passado, quando a Lei de Improbidade foi alterada, 45.845 investigações estavam em andamento. A maioria, no MP dos estados (37.411). O número é significativamente inferior ao registrado dois anos antes. Em 2019 -- primeiro ano do governo Bolsonaro -- haviam 77.789 apurações de improbidade em andamento.
"Em 2021, tramitavam no estado Público de São Paulo 4.760 inquéritos civis, que potencialmente serão atingidos pela aplicação retroativa da lei nova. A nova lei não se aplica aos atos de improbidade administrativa ocorridos anteriormente à sua vigência", afirmou o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubo, em manifestação contra a retroatividade das novas regras, feita ao STF na 4ª feira.
Sarrubo apresentou ainda, ao STF, dados sobre processos já abertos e com sentença, que podem ser afetados, caso a decisão da Corte seja pela retroatividade total das regras da nova lei. "Desde 2011, o Ministério Público ajuizou 8.768 ações, que, potencialmente, serão também atingidas pela aplicação retroativa da lei."
Citou também 2.798 condenações de processos encerrados (com trânsito em julgado) e 8.130 recursos em ações ainda sem julgamento final, "que também podem ser afetados".
Julgamento
O relator do processo no STF foi o primeiro, dos 11 ministros, a votar. Decidiu que não deve haver retroatividade automática e geral das novas regras da lei. Mas devem ser extintos casos que envolvam atos de improbidade sem intenção de gerar dano (culposos) -- o que não alcança processos encerrados definitivamente ou que estejam em fase de execução das penas.
Para os demais, os juízes terão que analisar nas ações abertas se houve vontade consciente de causar dano, para determinar o prosseguimento do caso. Para os casos sem intenção de agir, não poderá haver punição, pois não é possível condenar alguém com base em lei revogada.
O julgamento será concluído nas sessões de 4ª feira (10.ago) e 5ª feira (11.ago) do STF. Votaram até agora o relator e o ministro André Mendonça, que abriu divergência. Para ele, a retroatividade da nova lei é mais ampla: deve valer para os processos já julgados, no caso da comprovação de ato doloso.
Mendonça votou também pela retroatividade das regras de prescrição para casos anteriores à lei nova, para investigações e processos que ainda não foram julgados até outubro de 2021.
A Procuradoria Geral da República (PGR) sustenta, no processo, que o princípio da segurança jurídica estabelece que uma norma processual "não retroagirá". "Posição contrária implicaria anistia" e representaria um "retrocesso" no combate à corrupção", afirmou o procurador-geral da República, Augusto Aras.
O advogado Francisco Zardo, defensor da ex-procuradora do INSS que é ré na ação de improbidade e que pediu o encerramento do caso no STF, afirma que o caso prescreveu e que é preciso reconhecer a retroatividade das regras da nova Lei de Improbidade.