Eleições

Bolsonaro luta para conquistar votos além da bolha

Com melhora da economia, presidente precisa repetir diálogo com não-convertidos para vencer eleição

Quatro de março de 2020: exatamente uma semana antes de a Organização Mundial da Saúde declarar o novo coronavírus como uma pandemia, o mundo já fechava suas fronteiras para conter a escalada de mortes por covid. No Brasil, com quatro casos confirmados da doença, o Produto Interno Bruto (PIB) havia registrado alta de 1,1% em relação ao ano anterior, desempenho abaixo do esperado e pior do que os de 2017 e 2018. Na saída do Palácio da Alvorada, jornalistas esperavam o presidente Jair Bolsonaro (à época sem partido) para comentar as questões econômica e de saúde pública. De um dos carros da comitiva presidencial, desce o humorista Márvio Lúcio. Fantasiado como o chefe do Executivo, ele o imita, distribui bananas à imprensa e repete frases como "pergunta para o Paulo Guedes". O episódio levou ao delírio o grupo de apoiadores do espaço que ficou conhecido como "cercadinho".

+ Leia as últimas notícias no portal SBT News

A cena e o contexto que a envolve ilustram como foi boa parte do primeiro mandato de Bolsonaro. O presidente sempre pareceu contentar-se em agradar apenas a claque que ecoava seus discursos, não atentando-se ao fato de que as pessoas do cercadinho eram apenas projeções do mundo real, longe de representá-lo como um todo. Para vencer a eleição e conquistar um segundo mandato, porém, Bolsonaro lida com o desafio de, assim como fez em 2018, sair e conquistar votos além de sua bolha ideológica.

Capitão da reserva, Jair Messias Bolsonaro confidenciou seu desejo de disputar a Presidência da República ao amigo e então colega de Câmara Alberto Fraga, logo no início de seu sétimo mandato como deputado federal, em 2015, conforme narra a jornalista Thaís Oyama no livro Tormenta. Desde a data, o parlamentar que era tido como de baixo clero passou a propagar sua pauta de costumes em programas de TV e viagens pelo Brasil. Ali, Bolsonaro começava a construir o núcleo duro de seu eleitorado que, durante seu governo, passeou sempre pela casa dos 30%, chegando a 22% em seu pior momento, dezembro de 2021, no auge da pandemia.

Para eleger-se presidente em 2018, com 57 milhões ou 55% dos votos válidos, Bolsonaro apresentou-se como antissistema, aproveitando a onda contrária à política que surgira nos protestos de 2013, e como alternativa ilibada em meio aos escândalos de corrupção revelados nos governos petistas. Também conquistou liberais do mercado financeiros ao filiar-se ao Partido Social Liberal (PSL) e apresentar o Chicago boy -- como foi chamado o grupo que instituiu a política liberal no Chile -- Paulo Guedes como responsável pela gestão econômica de seu eventual governo. Logo após vencer as eleições, anunciou um convite ao então juiz Sergio Moro, ícone da operação Lava Jato e o responsável por levar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à prisão, para chefiar o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Pandemia

Na época em que Bolsonaro levou o humorista para responder perguntas em seu lugar, 33% da população considerava seu governo ótimo ou bom, segundo pesquisa Datafolha -- número bem próximo ao pico da aprovação, que, até agora, foi de 37%. A cena no Palácio da Alvorada foi apenas a primeira de uma série de episódios e declarações sobre a pandemia de covid-19 que agradaram o cercadinho, mas afastaram os que estavam fora dele. Aliás, o ambiente pretensamente controlado -- com denúncia do jornal Folha de S. Paulo até de pagamento a apoiadores -- foi furado em 16 de março de 2020 por um haitiano que disse que o presidente estava "espalhando o vírus" e que iria "matar os brasileiros". Bolsonaro ouviu atônito.

Daquele dia em diante vieram falas como "e daí", "não sou coveiro", "gripezinha" e "comprar vacina só se for na casa da sua mãe" para relativizar a doença que, em dois anos, matou mais de 650 mil brasileiros. Vieram também as críticas e a recusa em receber o imunizante -- que poderia transformar quem o recebesse em "jacaré" e, posteriormente, associado ao vírus da Aids em declaração que rendeu inquérito ainda em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) --, a insistência em boicotar as medidas de isolamento social -- o que levou à demissão do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta -- e a aposta convicta em medicamentos comprovadamente ineficazes -- cujas caixas foram oferecidas até às emas do Palácio da Alvorada. O cercadinho aplaudiu. O mundo fora dele se assustou.

Corrupção

No turbulento início de 2020, Bolsonaro teve que lidar com outra crise. Moro, aquele que fora representado até como herói em manifestações bolsonaristas, pediu para deixar o governo após uma troca de comando na Polícia Federal, e acusou o presidente de tentar interferir na corporação para receber informações privilegiadas sobre investigações sobre esquemas de rachadinha que tinham seus filhos entre os alvos.

Ao longo do governo, surgiriam ainda denúncias de corrupção no Ministério da Saúde-- descobertas pela CPI da Pandemia no Senado --, envolvendo superfaturamento na compra da vacina indiana Covaxin, e no Ministério da Educação, onde o então titular Milton Ribeiro teria favorecido municípios indicados por pastores evangélicos no repasse de verbas, segundo ele, a pedido do presidente.

Aqueles que viam Bolsonaro como antissistema reagiram com estranheza ao ver o presidente nomear, em 22 de julho de 2021, o senador Ciro Nogueira (PP) como ministro-chefe da Casa Civil. Acusado pela Polícia Federal de receber propina da J&F para apoiar a reeleição de Dilma Rousseff, Ciro é um dos nomes fortes do chamado Centrão -- grupo suprapartidário do Congresso sem orientação ideológica clara, criticado e ironizado com música na época da campanha presidencial por um dos homens fortes de Bolsonaro, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. A indicação foi uma tentativa de reforçar o apoio do grupo ao governo no Legislativo, no momento em que a aprovação do presidente chegou a 24%.

A busca por apoio no Congresso também levou ao surgimento do chamado orçamento secreto, que consiste na liberação de emendas parlamentares a projetos sem identificação. Bolsonaro diz não ter ingerência sobre as emendas de relator e nega qualquer irregularidade no governo. Sobre as nomeações de indicados políticos para cargos no primeiro escalão -- que lhe renderam o apelido de "tchutchuca do Centrão" em mais um episódio em que a bolha de apoiadores foi furada --, o presidente diz que "sempre foi do Centrão". O cercadinho ecoou o discurso e passou a enxergar o Legislativo como inimigo.

STF

Mas a relação dos apoiadores de Bolsonaro com o Congresso Nacional não passa nem perto de ser tão hostil quanto a com o Judiciário. Desde antes de assumir o Planalto, o presidente instiga a rejeição a integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Ataques velados ou diretos à Corte não são incomuns nas redes sociais e em manifestações pró-governo. Alguns deles, mais graves, como ameaças ou pedidos de fechamento do STF, levaram à abertura de inquérito para apurar supostos atos antidemocráticos, posteriormente convertido em investigação de milícias digitais. Relatados pelo ministro Alexandre de Moraes, os processos culminaram na prisão de apoiadores de Bolsonaro, como o deputado Daniel Silveira -- beneficiado pelo presidente com a extinção da pena por meio de graça constitucional.

Outro alvo constante dos bolsonaristas é Luís Roberto Barroso, que presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e defendeu as urnas eletrônicas e o sistema de votação brasileiro -- considerado pela ala mais radical de apoiadores como inseguro e passível de fraudes. Aos dois ministros, Bolsonaro despeja críticas e xingamentos. Chegou a ameaçar apresentar um pedido de impeachment contra Barroso e a, de fato, protocolar um contra Moraes. A ação foi rejeitada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mas aplaudida pelo cercadinho.

Economia

Uma crítica recorrente feita pelo presidente ao Supremo diz respeito à decisão de conceder autonomia a estados e municípios para, em conjunto com a União, gerirem a crise do coronavírus. Bolsonaro usa o entendimento para dizer ter sido proibido de agir durante a pandemia e culpa os governadores que adotaram medidas de isolamento -- às quais o chefe do Executivo federal sempre se refere como "fica em casa que a economia a gente vê depois" -- pelo mau desempenho de índices econômicos. A inflação bateu recordes históricos -- a de março de 2022 foi a pior para o mês em 28 anos. A taxa básica de juros (Selic) chegou ao patamar mais alto desde 2017 no último setembro. 

Mas foi no consumo que a população sentiu mais os reflexos da economia. O litro da gasolina beirou os R$ 8. A cesta básica passou de R$ 760 em alguns estados, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Com tudo isso, levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional aponta que 33 milhões de brasileiros passam fome.

Para reverter esses números, o presidente -- a contragosto dos liberais da equipe econômica -- rompeu o teto de gastos, abdicou de impostos federais sobre combustíveis e contou com o aval do Congresso para aumentar o valor pago pelo Auxílio Brasil -- benefício social criado em substituição ao Bolsa Família -- para R$ 600 em ano eleitoral.

Na economia, as mudanças surtiram efeito. O Banco Central passou a projetar uma alta no PIB de 2,7%. A projeção da inflação no ano reduziu três pontos percentuais e chegou a 5,8%. Nas pesquisas eleitorais, contudo, o efeito foi limitado. Bolsonaro segue mais de dez pontos percentuais atrás de Lula na média dos levantamentos e vê seu principal oponente ter chances de vencer o pleito no primeiro turno.

Depois de passar quatro anos falando para uma bolha que o ecoava, e com boa parte do discurso que usou para conquistar o eleitorado fora dela em 2018 enfraquecido, Bolsonaro tenta ganhar mais três semanas de disputa para mostrar aos brasileiros que é capaz de sair do próprio cercadinho.
 

Publicidade

Assuntos relacionados

portalnews
eleicoes
bolsonaro
jair bolsonaro
cercadinho
reeleição
fernando-jordao

Últimas notícias

Datena vai se filiar ao Partido Socialista Brasileiro nesta terça-feira (19.dez)
Brasil - 18/12/2023
Datena vai se filiar ao Partido Socialista Brasileiro nesta terça-feira (19.dez)
Filiação vem em meio a especulações sobre possível indicação do jornalista para ser candidato a vice-prefeito de São Paulo em chapa com Tabata Amaral
Conferência Eleitoral do PT tem discursos, carta pela "desbolsonarização do governo" e bandeira da Palestina
Eleições - 09/12/2023
Conferência Eleitoral do PT tem discursos, carta pela "desbolsonarização do governo" e bandeira da Palestina
Evento começou nesta 6ª feira (8.dez) em Brasília; Lula prometeu ser "um bom cabo eleitoral" nas eleições de 2024
Destino de Bolsonaro "terá de ser também a cadeia", ataca Gleisi
Brasil - 09/12/2023
Destino de Bolsonaro "terá de ser também a cadeia", ataca Gleisi
Presidente nacional do PT discursou em Conferência Eleitoral da sigla
"Vai ser outra vez Lula e Bolsonaro disputando essas eleições no município", diz presidente
Brasil - 09/12/2023
"Vai ser outra vez Lula e Bolsonaro disputando essas eleições no município", diz presidente
Em discurso na Conferência Eleitoral PT 2024, petista falou que a militância "não pode ficar com medo"
Moraes dá 48 horas para Meta enviar vídeo publicado por Bolsonaro após o 8 de janeiro
Justiça - 06/12/2023
Moraes dá 48 horas para Meta enviar vídeo publicado por Bolsonaro após o 8 de janeiro
Ex-presidente fez publicação questionando regularidade das eleições após os atos golpistas
Com 7 pré-candidatos em capitais confirmados, PT prepara "grande largada" para as eleições
Eleições - 02/12/2023
Com 7 pré-candidatos em capitais confirmados, PT prepara "grande largada" para as eleições
Sigla fará Conferência Eleitoral com presença de Lula em dezembro
TSE inicia teste de segurança das urnas eletrônicas para as eleições municipais
Brasil - 27/11/2023
TSE inicia teste de segurança das urnas eletrônicas para as eleições municipais
Durante cinco dias, técnicos e especialistas poderão acessar os componentes internos e externos do equipamento
Novo anuncia economista Marina Helena como pré-candidata a prefeita de São Paulo
Eleições - 30/10/2023
Novo anuncia economista Marina Helena como pré-candidata a prefeita de São Paulo
Ela foi diretora de desestatização do Ministério da Economia a convite do então ministro Paulo Guedes
Qual a distância entre a eleição argentina e a brasileira
Eleições - 28/10/2023
Qual a distância entre a eleição argentina e a brasileira
Confira quatro diferenças e quatro semelhanças do processo eleitoral e dos candidatos do Brasil e da Argentina
Argentina registra quatro ameaças de bomba em aeroporto de Buenos Aires
Mundo - 21/10/2023
Argentina registra quatro ameaças de bomba em aeroporto de Buenos Aires
País realiza eleições presidenciais no próximo domingo