CPMI do 8/1 x CPI dos Atos Antidemocráticos: entenda as investigações do "golpe"
Com fim dos trabalhos das comissões no Congresso e na Câmara Legislativa do DF, relatórios finais são analisados por autoridades
A conclusão das investigações e a aprovação do relatório final da CPI dos Atos Antidemocráticos na semana que passou, com críticas diretas e indiretas de deputados distritrais à CPMI dos Atos Golpistas do 8 de Janeiro, geraram discussões sobre a eficiência das comissões parlamentares de inquérito e a "politização" dos trabalhos. Para saber mais sobre os trabalhos e desdobramentos delas, o SBT News fez um balanço comparativo da CPMI do Congresso e da CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).
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Tanto a CPMI como a CPI foram abertas para investigar a tentativa de golpe, após derrota de Jair Bolsonaro (PL) para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições de 2022.
Por isso, as duas comissões apuraram as invasões e depredações dos prédios-sedes do Três Poderes, no dia 8 de janeiro, mas também os bloqueios em rodovias iniciados em novembro do ano passado, as tentativas em Brasília de invasão da sede da Polícia Federal e de atentado à bomba no aeroporto, as formações e financiamentos dos acampamentos nos quartéis do Exército e dos protestos.
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Nesta semana, os deputados distritais do DF entregam para autoridades policiais, Ministério Público e Justiça o relatório final aprovado por seis votos a 1, na 4ª feira (29.nov), que pede o indiciamento de 63 pessoas, a maioria bolsonaristas envolvidos nos acampamentos e financiamento dos manifestantes.
"O relatório é um roteiro sobre os riscos que a democracia correu nesse país. Ele tem uma série de medidas que devem ser tomadas", afirmou o presidente da CPI dos Atos Antidemocráticos, deputado distrital Chico Vigilante (PT). "O relatório serve também para ajudar a elucidar e condenar, nas ações judiciais em curso e nas que virão."
O relatório final da CPMI dos Atos Golpistas foi aprovado em outubro, por 20 votos a 11, e já foi entregue à Procuradoria Geral da República (PGR), ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e a outras autoridades.
CPI x CPMI em números
CPMI do 8 de Janeiro - Congresso
Aberta: 25 de maio
Membros: 32 deputados federais e senadores
Relatório final: 18 de outubro, 1,3 mil páginas
Sessões: 23
Interrogados: 22
Pedidos de indiciamento: 61
Principais indiciados:
- Jair Bolsonaro (PL), ex-presidente
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordem no Planalto
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
- Silvinei Vasques, ex-superintendente da PRF
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa
- Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do GSI
CPI dos Atos Antidemocráticos - CLDF
Aberta: 7 de fevereiro
Membros: 8 deputados distritais
Relatório final: 29 de novembro, 444 páginas
Sessões: 33
Interrogados: 32
Pedidos de indiciamento: 135
Principais indiciados:
- Fernando Souza de Oliveira, ex-secretário interino de Segurança Pública do DF
- Cíntia Queiroz de Castro, coronel da PM e subsecretária de Operações Integradas da Secretaria de Segurança Pública do DF
- Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, coronel ex-comandante do 1º Comando de Policiamento Regional da PMDF
- Ana Priscila Silva de Azevedo, bolsonarista e organizadora dos atos
- José Acácio Tserere Xavante, índio preso em protestos bolsonaristas
Por que duas CPIs simultâneas para o mesmo fato?
O alvo central das comissões parlamentares de inquérito foi um mesmo fato: a tentativa de golpe de Estado do dia 8 de janeiro, em Brasília, e os atos que a antecederam, após a derrota de Bolsonaro para Lula. Mas as esferas de atuação das duas casas legislativas são distintas, na formação e no poder.
A primeira CPI foi a da Câmara do DF -- que é como as assembleias legislativas nos estados --, pedida em 10 de janeiro e que veio na esteira da decisão do STF, de Alexandre de Moraes, de afastar o governador Ibaneis Rocha (MDB) e nomear um interventor na capital federal.
A CPMI começou em março, por movimentação da oposição ao governo Lula e aliada de Bolsonaro. O pedido de um parlamentar da base bolsonarista sofreu resistência, mas na iminência de instalação, o governo colocou os aliados da base para ter maioria e controlar os trabalhos.
Quem são os indiciados
A CPMI do Congresso teve Bolsonaro como principal indiciado por crimes. O documento final da comissão, da relatora, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), apontou "responsabilidade direta" do ex-presidente "como mentor moral, por grande parte dos ataques perpetrados a todas as figuras republicanas que impusessem qualquer tipo de empecilho à sua empreitada golpista".
Seu ex-braço direito no Planalto, o tenente-coronel Mauro Barbosa Cid, também foi um dos principais alvos. Assim como outros nomes de confiança, como o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF no dia 8 de janeiro, Anderson Torres, e o ex-superintendente da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques.
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Na CPI da Câmara do DF, o alvo principal do relatório do deputado distrital Hermeto (MDB) tinha como alvo principal o general Marco Edson Gonçalves Dias, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Lula. O pedido de indiciamento, no entanto, foi retirado do documento que será encaminhado nesta semana para autoridades.
"Infelizmente a esquerda conseguiu... Para mim, G. Dias tem culpa. Ele tinha as informações sobre riscos da Abin, tinha um batalhão da Guarda Presidencial, que poderia ter protegido o Planalto. Ele tinhas informações, mas não disparou o Plano Escudo, de proteção ao prédio", afirmou Hermeto.
Segundo o relator, a diferença do relatório da CPI do DF é que ele teria sido mais "técnico" do que o da CPMI do Congresso. "O relatório mostra toda cronologia de como aconteceram os atos, tecnicamente. Apesar de estarmos em uma Casa política, o meu relatório foi técnico."
Crimes e golpe de eEstado
As duas comissões apontaram os mesmos crimes aos acusados, em especial, tentativa de golpe de Estado. Enquanto a CPMI focou nas autoridades do governo Bolsonaro, na falha da PM do DF e nos bolsonaristas e acampados, para apontar o golpe, a CPI apronfundou os dados sobre financiadores dos atentados à bomba do aeroporto, na tentativa de invasão da PF e no transporte dos golpistas na véspera das invasões na Praça dos Três Poderes, no 8 de janeiro.
Dos 135 pedidos de indiciamento, quatro são contra gestores, entre eles integrantes da PM do DF e o ex-secretário adjunto da Secretaria de Segurança Pública do DF. Anderson Torres foi deixado de fora, assim como Bolsonaro, que teve seu papel citado, como responsável por incentivar o movimento golpistas, mas sem pedir que fosse culpado por falta de provas.
Crimes principais indiciados nas duas CPIs:
- Tentativa de golpe de Estado
- Abolição violenta do estado democrático de direito
- Associação criminosa
- Incitação ao crime
- Dano qualificado
- Corrupção
- Porte de arma branca
- Resistência
- Desacato
Os relatórios das CPIs são analisados pelo Ministério Público, que é quem faz as acusações formais na Justiça, que pode pedir o arquivamento por falta de elementos, usar como prova em processo aberto, pedir mais investigações ou abrir novos procedimentos.
Vai virar pizza?
O encaminhamento dado ao relatório final da CPI e da CPMI é, basicamente, o mesmo: envio ao Ministério Público e PGR, ao STF e órgãos do judiciário, e polícias. Nos documentos, as comissões listam as descobertas, apontam quais crimes foram identificados de cada envolvido e pede o indiciamento dos alvos e também sugere prosseguimento de investigações em casos sem conclusão.
As duas comissões também deram destaque às propostas de medidas a serem adotadas. A CPMI fez apontamentos para aprofundamento de investigações, como no caso das joias incorporadas pela família Bolsonaro, das falsificações de atestados de vacina da Covid-19, entre outros. Na CPI do DF, por exemplo, o relatório final sugere ao governo do DF a recomposição do efetivo e dos salários da PM, equivalência da remuneração de policiais civis com policiais federais e criação do "Comando do Policiamento da Esplanada".
"Foi um bom relatório, o relatório possível. Cabe agora às autoridades que vão receber, prosseguir e aprofundar ainda mais as investigações para aplicar as condenações. A CPI não condena, ela indicia, aponta roteiros e cabe ao Ministério Público denunciar e ao Poder Judiciário, condenar esses criminosos que atentaram contra a democracia no Brasil."
Não é possível dizer, nesse momento, que tudo vai virar pizza. Principalmente, porque os fatos investigados ainda são alvos de investigações e processos na Justiça e outros órgãos e, nesses casos, dificilmente haverá fim feliz para todos os acusados. Mas tomando como base outras CPIs recentes, o risco é grande.
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