"Belfast" é o olhar de um menino diante dos conflitos na Irlanda do Norte
Kenneth Branagh é o artista indicado na maior quantidade de categorias na história do Oscar
As lembranças que carregamos da infância misturam realidade, fantasia e, acima de tudo, o nosso olhar da época para um contexto que não era totalmente compreendido. O diretor irlandês, Kenneth Branagh, mergulhou nas recordações da sua primeira década de vida e resgatou as memórias da criança que foi um dia, diante das turbulências dos conflitos nacionalistas na Irlanda do Norte; época do The Troubles, quando protestantes e católicos mediam forças nos arredores da casa dele, nos anos de 1960.
Em meio a rememorar o carinho dos avós, os primeiros amigos da vida e violentas barricadas, Branagh traz o filme "Belfast" feito majoritariamente por uma equipe irlandesa e que concorre ao Oscar em sete categorias, empatado com "Amor, Sublime Amor".
"Levei décadas para conseguir sentar e escrever essa história. Durante o início da pandemia, eu finalmente me concentrei e em oito semanas o roteiro estava pronto", contou Branagh ao apresentar seu filme em Santa Mônica, na Califórnia (EUA), em um evento que o SBT News esteve presente.
A autobiografia levada à tela é uma história leve, que não se aprofunda nos conflitos que ocorreram durante décadas na Irlanda do Norte. É a visão de um menino de nove anos, vivido pelo ator Jude Hill, e entre recordar as primeiras paixões, dramas e até pequenos delitos (roubar doces no supermercado), entrega uma carga emotiva intensa, principalmente se pararmos para pensar na quantidade de crianças que precisam deixar seus lares por causa das atuais guerras.
Impossível não se emocionar com as cenas do menino que usa a tampa de lixo como escudo ao brincar de super herói pelas ruas, mesma tampa utilizada pela mãe dias depois para defendê-los das pedras e coquetéis molotov atirados durante a escalada da violência.
Assista ao trailer oficial do filme:
Neste momento, em que ocorre a votação dos membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas nos seus favoritos ao Oscar, não seria surpreendente se "Belfast" levasse a principal estatueta em meio a comoção mundial diante da guerra na Ucrânia.
Sobre as cores
O filme é quase todo em preto em branco, com cores apenas no início mostrando a atual Belfast e também durante cenas que o menino está no cinema. "Era assim que eu me sentia quando entrava em uma sala para assistir a um filme, tudo ficava colorido em minha vida", contou Branagh que aproveitou suas recordações para fazer uma homenagem à sétima arte.
Vários cineastas já usaram dos mesmos artifícios das memórias em preto e branco para levar autobiografias às telas, como "Roma", do mexicano Alfonso Cuarón, que também escreveu o roteiro e dirigiu o filme inspirado em recordações, e concorreu ao Oscar em 2019.
Diretor, roteirista, ator e muito mais
Kenneth Branagh nunca ganhou um Oscar, mas neste ano já bateu um recorde. Ele acumula oito indicações na carreira, em sete categorias diferentes. Nunca nenhum artista havia sido nomeado em tantas categorias.
O irlandês concorreu ao Oscar pela primeira vez em 1990 pela direção e atuação, em "Henrique V". Em 1993, foi à festa com o Curta-Metragem "Swan Dong"; em 1997, disputou Melhor Roteiro Adaptado ("Hamlet"); em 2012, Melhor Ator Coadjuvante ("Sete Dias com Marilyn") e, neste ano, com "Belfast", aparece nas listinhas de Melhor Roteiro Adaptado, Direção, além de assinar a produção o que o faz estar nomeado na categoria de Melhor Filme.
Mais recordes
Além dessas categorias que levam o nome de Branagh, "Belfast" briga ainda pelas estatuetas de Melhor Som, Canção Original (Down to Joy), Ator Coadjuvante (Ciarán Hinds) e Atriz coadjuvante (Judi Dench).
A atriz inglesa Judi Dench é a única do elenco principal que não nasceu na Irlanda, mas a mãe dela era de Dublin e migrou para a Inglaterra durante a Primeira Guerra Mundial. Dench também acumula oito indicações na carreira, levou uma estatueta pela atuação em "Shakespeare Apaixonado", em 1999, ano que, inclusive, Fernanda Montenegro foi indicada por "Central do Brasil". Judi Dench, em 2022, também já fez história por ser a mais velha indicada ao Oscar como Melhor Atriz.
Branagh e Dench são amigos e parceiros de produções há mais de três décadas. Trabalharam juntos uma dúzia de vezes, sendo a primeira em 1987 na série "Ghost". Kenneth Branagh já dirigiu Dench nas telas quatro vezes e Dench dirigiu Branagh no palco duas vezes.
A atriz contou em entrevista à imprensa americana que Branagh foi pessoalmente convidá-la para fazer o papel, na qual ela interpreta a avó dele nas telas. Por ela estar com problemas de visão, Branagh passou uma manhã lendo para a atriz todo o roteiro no intuito de convencê-la a aceitar. Dito e feito. Filmaram durante a pandemia e tomaram cuidados extras, principalmente por causa da idade avançada dela e as filmagens terem sido antes da chegada da vacina.
O elenco
O menino Jude Hill viu sua vida se transformar também durante a pandemia, quando teve que mandar vídeos de atuação, em um primeiro momento, e depois fazer testes de elenco pelo Zoom. Mais de 300 crianças irlandesas concorreram à vaga sem saber ao certo qual papel fariam. Hill estreou brilhantemente na tela e o diretor contou que muitas das cenas que assistimos em "Belfast" foram feitas quando o menino achava que era só ensaio.
"Deixava a câmera ligada e dizia: 'vamos ensaiar esta cena'. Assim peguei muitas ações espontâneas de Jude", conta Branagh que disse ainda que, depois de alguns dias, o menino descobriu a tática.
Jamie Dornan ("50 Tons de Cinza") e Caitriona Balfe ("Outlander") também são irlandeses. Eles interpretam os pais do Branagh. Indicado a Melhor Ator Coadjuvante, Ciarán Hinds, faz o papel do avô do cineasta. Hinds também nasceu em Belfast, morava a poucos quarteirões de Branagh e de onde se passa o filme, mas ao contrário do diretor que era protestante, Hinds vem de uma família católica. O ator deixou Belfast anos após Branagh.
O drama é embalado por outro filho da capital da Irlanda do Norte, Sir George Ivan Morrison, conhecido inclusive como The Belfast Cowboy (o Cowboy de Belfast). Ele assina a balada "Down to Joy" indicada à Melhor Canção Original.
Ouça a música "Down to Joy", de Ivan Morrison, indicada à Melhor Canção Original pelo filme "Belfast":
Indicações de Belfast Oscar 2022
- Melhor Filme
- Melhor Canção Original
- Melhor Som
- Melhor Direção - Kenneth Branagh
- Melhor Roteiro Original - Kenneth Branagh
- Melhor Atriz Coadjuvante - Judi Dench
- Melhor Ator Coadjuvante - Ciarán Hinds
Leia mais:
