O fracasso do multilateralismo diante do silêncio americano sobre os civis de Gaza
Apesar de 121 países na ONU terem votado 'sim' pela trégua humanitária nos bombardeios entre Israel e Hamas não há sinal de pausa no Oriente Médio
Washington DC - Nesta segunda-feira, 30 de Outubro, o Conselho de Segurança da ONU se reúne mais uma vez para tratar da guerra entre Israel e Hamas. Outro rascunho em uma nova reunião diplomática enquanto a população civil que está hoje na faixa de Gaza segue refém de uma realidade que não irá mudar tão cedo. Ninguém entra, ninguém sai daquela faixa de terra há muito tempo. Não há energia elétrica ou fornecimento de água potável e os poucos caminhões de mantimento que entraram são, segundo a OMS, "uma gota em um oceano de necessidade". Os civis que estão em Gaza são palestinos, incluindo um milhão de crianças, estrangeiros que moram ali, além dos israelenses que foram levados como reféns pelo Hamas em sete de outubro. Todos à mercê de uma guerra que grande parte do mundo clama: parem.
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O clamor veio do Papa, da OMS, do Unicef e da Assembleia Geral da ONU que aprovou por 121 votos na última sexta-feira, 27, uma resolução que determina trégua humanitária imediata, cancelamento da ordem de evacuação do norte de Gaza, retorno dos servicos basicos `a sobrevivencia e libertação imediata e incondicional de todos os refens. Como resposta à ONU, no mesmo dia, o inverso aconteceu. O serviço de comunicação de telefonia e internet na Faixa de Gaza foi cortado por completo. O apagão durou pouco mais de vinte e quatro horas deixando palestinos e estrangeiros num buraco negro sem contato com o mundo. A Organização Mundial da Saúde, em uma publicação oficial, solicitou "humanidade de todos com poder para agir para pôr fim `a guerra de acordo com a resolução adotada na ONU". A diretora-executiva do UNICEF - instituição presente em cento e noventa países para a proteção dos direitos das crianças - clamou repetidas vezes pelo cessar-fogo e expressou preocupação pela falta de contato com as equipes em Gaza devido ao corte da comunicação de internet e telefonia fixa e celular. "Perdemos contato com nossos colegas em Gaza", relatou Catherine Russell no último fim de semana. A crítica pela situação dos civis em Gaza veio inclusive de um aliado americano. O Vice presidente da Comissão Europeia e Alto Representante de Política Externa do Bloco Josep Borrell Fontelles disse em sua rede social: "A agência para refugiados palestinos das Nações Unidas alerta para a situação desesperadora da população de Gaza sem eletricidade, alimentos e água. Muitos civis incluindo crianças morreram. Isso é contra a lei humanitária Internacional".
Na Casa Branca, silêncio durante o fim de semana. O único comunicado após a incursão militar terrestre e o apagão veio no domingo a noite (29) informando que Joe Biden havia conversado por telefone com o Primeiro Ministro israelense Benjamin Netanyahu e com o presidente do Egito. Em uma nota branda diante da violencia televisionada nos ultimos dias, o governo americano informou que "Biden reiterou que Israel tem todo o direito de defender seus cidadãos do terrorismo de uma maneira consistente com a lei humanitaria internacional" e que com Abdel Al-Sisi, falou-se sobre "facilitar a entrega de ajuda humanitaria `a Gaza". Nada foi dito sobre o que os organismos internacionais e parte da população americana pede.
Quase simultaneamente, no Egito, depois de visitar a fronteira do país com Gaza, em Rafah, o promotor da Corte Internacional Criminal Karim Khan disse: "Nesta manhã eu vi caminhões cheios de mantimentos, de assistência humanitária parados onde ninguém precisa. Parados no Egito, em Rafah, longe das bocas famintas e das feridas abertas". O representante da Corte de Haia ainda disse: "impedir acesso a mantimentos básicos conforme previsto nas Convenções de Genebra pode constituir um crime de jurisdição do Tribunal". Ele também alertou que Israel tem obrigações claras não só morais mas legais no conflito armado. "Eles terão que demonstrar a aplicação do princípio da proporcionalidade e da proteção de civis. E quero ser claro para não haver má interpretação: residências, qualquer escola, qualquer hospital ou mesquita. Esses locais são protegidos a menos que a função de proteção (de civis) tenha sido perdida. E quero ser igualmente claro: o ônus da prova de que o status de proteção se perdeu recai em quem tem a arma, o míssil ou o foguete". Karim Khan também afirmou que o Hamas é igualmente responsável pelo não respeito às leis humanitárias internacionais e clamou pela libertação dos reféns imediatamente.
A diferença aqui é que o mundo faz um apelo a um Estado democratico de direito que no momento tem poder sobre uma população civil fechada em um estreito pedaço de terra. No comunicado do fim de semana, Biden não se refere aos atos já cometidos de quebra da lei humanitária internacional por parte do exército que neste momento está em Gaza por terra. A ordem para evacuação do maior hospital da Cidade de Gaza, segundo o promotor do Comitê Criminal de Haia, fere as convenções internacionais de Direitos Humanos. A ordem no entanto existe e está em curso. Igrejas que serviam de abrigo já foram derrubadas assim como ja houve um impedimento da entrada de alimentos e agua naquele territorio palestino.
O Brasil, na presidência temporária do Conselho de Segurança, tem feito um esforço genuíno coletivo para que a pausa humanitária se estabeleça e para que os civis, incluindo as crianças, deixem a região. O desejo humanitário do governo e da diplomacia brasileira coincide com o apelo de boa parte do mundo, mas esbarra em regras antigas. Qualquer resolução no Conselho de Segurança da ONU só pode ser aprovada se nao houver veto de um dos cinco integrantes permanentes. A proposta do Brasil pela trégua e soltura dos reféns feita no dia 18 teve 12 votos a favor mas um veto. O mesmo 'não' de quem se posicionou de forma semelhante na Assembleia Geral na última sexta, dia 27. A missão americana na ONU segue ordens de Washington. Nada de cessar-fogo pois os Estados Unidos defendem de forma inequívoca o direito - legítimo - de defesa de Israel. A condenação veemente dos atos terroristas do Hamas assim como o apelo para soltura dos reféns esteve presente em todos os textos apresentados no Conselho de Segurança. O que a comunidade internacional afirma em diferentes vozes é que o direito de defesa de um, mesmo extremamente legal e necessário, esbarra em leis humanitárias e segundo o promotor de Haia que esteve em Rafah, os fins em uma guerra não justificam os meios se civis morrem de forma indiscriminada. Gaza é um território ocupado por um milhão e cem mil crianças que, como todos ali, estão impedidas de fugir. O que a ONU, a OMS, o UNICEF e até o Papa dizem é que independentemente de quem recaia a culpa por tal situação, a realidade demanda ação humanitária urgente. "A lei internacional de proteção ao ser humano não é um extra opcional que alguém pega e depois deixa. E' algo que nos une para nos afastar dos portões do inferno e da futura miséria" disse o representante do Comitê Criminal Internacional neste último domingo (29).
O isolamento diplomático americano demonstrado na ONU sobre o tema é reflexo de um incômodo mundial, tem pouco efeito prático e revela uma falha do multilateralismo. Enquanto não houver uma mudança nas regras do Conselho de Segurança para não só abrir espaço a outros países mas também alterar a regra do veto único, o mundo seguirá a assistir casos como o que vemos hoje no Oriente Médio.
O Conselho de Segurança da ONU
Pelas regras, qualquer uma das cinco nações com direito ao assento permanente - Estados Unidos, França, China, Rússia e Reino Unido - pode barrar propostas apresentadas usando o veto. As primeiras regras do Conselho de Segurança da ONU datam de 1946 e a última revisão foi em 1982. São cinco integrantes permanentes - Estados Unidos, França, Rússia, China e Reino Unidos - e outros dez temporários que ocupam o cargo em mandatos de dois anos. O Brasil, pela décima primeira vez desde a criação do Conselho, ocupa um assento provisório no grupo. Neste mês de outubro, a missão brasileira está na presidência seguindo a ordem rotativa mensal.