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Coquetéis e sirenes na noite de Kiev

Ucranianos parecem anestesiados com os alertas de ataque aéreo. Nas ruas, ninguém reage e nem busca proteção

Sair pra jantar num país em guerra e em uma cidade com toque de recolher não é das tarefas mais fáceis. Há restaurantes abertos, mas todos com limitação de funcionários e de horário. Entre 11 da noite e 5 da manhã, ninguém mais pode estar nas ruas.

Entre comer e entregar o material do dia, jornalistas - esses loucos - vão escolher sempre a segunda opção. O chocolatinho guardado na mochila ajudou, mas uma sopinha cairia bem nas temperaturas negativas de Kiev.

Saímos às 9 da noite à procura de comida. Havia poucas opções abertas nas redondezas e terminamos num bar que serve coquetéis e alguns petiscos, que fizemos de jantar: nuggets de frango, queijo frito e batata frita. Nada saudável, mas deu pra matar a fome e ainda tomar um Negroni -- coquetel feito de gim, vermute, rosso e Campari -- rapidamente.  

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Uns poucos jovens bebiam, fumavam e conversavam. Se aquela cena fosse congelada, não daria pra dizer que este é um país sob constante ataque. Pra eles não há outra opção. Eles têm que se divertir, namorar e encontrar os amigos nessas circunstâncias.

Poucos moradores circulam à noite em Kiev | Foto/Sergio Utsch

Antes de sairmos, chega um homem bêbado, com cara de militar que, por algum motivo, me identifica como britânico e abre o sorriso pra falar de Boris Johnson. O ex-premiê do Reino Unido é nome de rua e adorado por muitos ucranianos pelo alinhamento automático com o governo daqui.

Voltamos pro hotel antes do início do toque de recolher. Um jornalista de barriga cheia não quer briga com ninguém. E quando o sono tá quase na fase profunda, o silêncio da madrugada é quebrado pelo som aterrorizante da sirene. Era um alerta de ataques aéreos, o segundo em menos de 12 horas.

Guerra da Ucrânia já dura 357 dias | Foto/Sergio Utsch

Como em outras ocasiões no início da guerra, levanto, vou pro balcão do meu quarto, gravo aquela imagem e decido voltar pra minha cama. Eu já tinha abastecido o estômago e precisava também dar um descanso pro restante do corpo.

Nesta quinta, deixamos o hotel pra gravar a reportagem e fazer alguns contatos. Precisamos reavaliar nossa rotina e os riscos a que nos submetemos todos os dias. Doze minutos depois do meio-dia, a sirene volta a tocar. Mas as pessoas não buscam proteção, continuam sua caminhada. O barulho da sirene é como o barulho dos carros. Não chama mais a atenção de ninguém.

"Se chorarmos, se nos entregarmos ao medo, nosso psicológico fica destruído", me disse Katya, uma ucraniana de Donetsk, que passeia com a filha Poli, de 7 anos. Ela fica surpresa quando conto a ela que no Brasil temos muitas Kátias, Svetilanas, Ludmilas, Larissas, nomes muito comuns entre as mulheres daqui.

Ucraniana Katya e a filha Poli, se surpreendem ao saber que seu nome também é usado no Brasil | Foto/Sergio Utsch

Conto a Poli que sou de um país muito longe que fica do outro lado do Oceano Atlântico. A mãe dela explica à pequena o que é o Oceano Atlântico. Ela reage deslumbrada. É triste ver uma criança crescer num ambiente de guerra, mas é fato que, pelas estatísticas, ela pode estar mais segura na Ucrânia.

Desde fevereiro do ano passado, 7.155 pessoas morreram - 438 crianças - desde o início da invasão, segundo dados do site Statista. No Brasil, só no primeiro semestre de 2022, foram 20.126, número que, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança e o Núcleo de Estudos da Violência da USP, era 5% menor que o mesmo período de 2021.

Katya é do leste da Ucrânia, da parte da província de Donetsk que foi dominada pelos russos em 2014. Foi naquela época que ela deixou sua terra natal pra morar na região de Kiev. Como muitos nesse país, ela é uma refugiada interna. Recusou-se a viver sob o domínio de Moscou e nega a lógica do Kremlin de que aquela parte da Ucrânia pertence à Rússia. "Eu sou de Donetsk e eu sou ucraniana". 

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