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Relações Brasil-Colômbia não devem ter mudança significativa no governo Petro

Especialistas afirmam que política externa do Brasil não é estruturada para a América do Sul

Apesar de Gustavo Petro ser a primeira pessoa de esquerda eleita presidente da Colômbia, as relações internacionais do país com o Brasil não deverão ter mudanças significativas enquanto Jair Bolsonaro (PL) for presidente da República, de acordo com especialistas. E um dos motivos é que a política externa brasileira sob a gestão Bolsonaro no Palácio do Planalto não é estruturada para a América do Sul.

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De acordo com o mestre em relações internacionais e doutor em ciência política Lucas Rezende, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no governo Petro --- marcado para começar em 7 de agosto --, o que deverá acontecer é uma manutenção das relações protocolares entre Brasil e Colômbia, "da mesma forma como aconteceu [por causa da atual política externa do atual governo brasileiro, por exemplo] nos outros países sul-americanos que tiveram recentemente eleições de líderes mais alinhados à esquerda". Contando com o presidente colombiano eleito, oito dos 12 países da América do Sul são governados por esquerdistas; entre os quatro restantes estão, além do Brasil, Equador (Guillermo Lasso, de direita), o Paraguai (Mario Benítez, de direita) e o Uruguai (Luis Lacalle Pou, de centro-direita).

Para Rezende, a política do Brasil para o exterior no atual governo é "absolutamente desastrosa". Em primeiro lugar, avalia, porque não possui "uma orientação buscando fins em benefício para o país, e sim exclusivamente buscam relações pessoais do presidente Bolsonaro com países que tem líderes de perfis ideológicos e psicológicos semelhantes ao do Presidente, como Hungria". "De repente foi alçada a uma parceria estratégica do Brasil. O papel da Hungria na verdade para a balança comercial brasileira e para as relações internacionais brasileiras é bastante reduzido", completa. O país europeu tem como premiê Viktor Orbán, de extrema-direita. O presidente brasileiro se encontrou com ele em fevereiro deste ano.

Outros exemplos de nações das quais o Brasil se aproximou nos últimos anos, por causa de seus líderes, de acordo com o professor da UFMG, foram os Estados Unidos, com Donald Trump, e a Rússia, de Vladimir Putin. Bolsonaro se encontrou com este às vésperas da invasão da Ucrânia, em fevereiro. O presidente justificou a visita ao presidente russo dizendo que foi viabilizar o envio de fertilizantes para o território brasileiro.

Ainda conforme o mestre em relações internacionais, uma aproximação maior do Brasil com a Colômbia ou com qualquer outro país da América do Sul seria positiva para o primeiro país e vice-versa. "Até mesmo porque, neste momento em que está acontecendo a guerra na Ucrânia e o acirramento das relações entre os países do norte global, isso significa que eles pouco vão dar atenção para os países da sul global e para as nossas agendas. Então as relações internacionais que vinham sendo conduzidas pelo Brasil desde a sua redemocratização, em especial com o aprofundamento das relações sul-sul, nos anos mais recentes, eram fundamentais para que em momentos de crise como esse, em que o mundo se encontra, o Brasil pudesse ter alternativas para o exercício de política externa, coisa que hoje, lamentavelmente, as portas estão fechadas", acrescenta.

Ele relembra também que o Brasil é "uma potência unipolar na América do Sul". Dessa forma, em suas palavras, "qualquer tipo de relação com o Brasil é, além de desejável, bastante importante", e o afastamento do país da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), iniciado no governo Temer e mantido no de Bolsonaro, "foi um baque muito grande para as relações internacionais regionais, uma vez que ali o Brasil exercia o papel de liderança política e de coordenação de crises locais". Na visão do especialista, "podemos esperar que se o governo do Petro for racional, e não ideologicamente motivado, como é o de Bolsonaro, muito provavelmente ele buscará relações positivas com o Brasil na medida do que for possível".

O mestre em economia e cientista político Corival do Carmo, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS), por sua vez, afirma que mudanças na relação do Brasil com a Colômbia, no governo Petro, acontecerão, mas não imediatamente. Isso não só pelo fato de o país vizinho não ser prioridade da política externa brasileira, mas também porque a própria Colômbia não tem o Brasil como prioridade de sua política para o exterior e Bolsonaro estará envolvido no processo eleitoral, no segundo semestre deste ano.

"Então, um primeiro movimento é um compasso de espera. A fonte de conflito, de tensão inicial, vai ser a mudança de postura da Colômbia em relação à Venezuela. Isso, sim, vai ser um motivo de divergência. Mas, nesse momento, como os próprios Estados Unidos estão mudando a sua postura em relação à Venezuela e se aproximando do governo Nicolás Maduro, dentro do contexto eleitoral, a Colômbia não deve aparecer no discurso do presidente Bolsonaro. No [eventual] segundo mandato, aí, sim, há uma questão", pontua.

Corival explica que, com a eleição de Petro, o Brasil fica mais isolado na América do Sul em relação à postura crítica sobre a Venezuela, porque o Grupo de Lima e o Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (Prosul) perderão um integrante de direita, aprofundando um "esvaziamento dos fóruns nos quais, dentro da região, o governo Bolsonaro foi mais ativo". O Prosul, conforme o especialista, foi o único processo do qual o governo Bolsonaro participou, "do ponto de vista da questão da integração regional".

Atualmente, as exportações do Brasil para a Colômbia representam somente 1% do total das exportações brasileiras; o país vizinho é importante como destino de produtos manufaturados. Uma diminuição desse percentual é "pouco provável" que ocorra enquanto Bolsonaro for presidente, explica Corival, porque "a prioridade do governo Petro deve ser, primeiro, as políticas internas. E do ponto de vista da política internacional, é fazer um ajuste em relação à política com os Estados Unidos. Ele não tem como romper com os Estados Unidos, não tem como fazer uma mudança drástica no curto prazo em relação à política externa para os Estados Unidos, mas ele vai implementar alguma mudança. E para isso, ele precisa ter a proximidade com o Brasil. Ele não tem condições, do ponto de vista interno, de buscar uma aproximação com a China".

Se os colombianos se aproximarem dos chineses, disputas internas da Colômbia serão acirradas, então Petro provavelmente aumentará a aproximação com o Brasil, como Hugo Chávez fez no final dos anos 90, de acordo com o professor da UFS. "Então, do ponto de vista do futuro governo Petro, isso vai ser muito mais fácil se o Lula [e não Bolsonaro] vencer as eleições. Mas se o Bolsonaro vencer, eles também não vão querer criar um conflito maior com o Brasil, acirrar um problema com o Brasil", analisa.

Assim como Lucas Rezende, Corival avalia que uma seria positiva para os países envolvidos uma aproximação do Brasil com qualquer outro da América do Sul. Em suas palavra, "uma resposta adequada à presença chinesa no Brasil depende exatamente disso". "Ela depende de uma articulação maior econômica entre os países da América do Sul. Quanto mais integrados os países da América do Sul estiverem, mais alternativas eles possuem ao mercado chinês. Maior a capacidade eles têm de negociar com a China e maior a capacidade que eles têm de implementar projetos de desenvolvimento também do setor industrial. Então é essencial".

Segundo Corival, nos países do leste asiático, na União Europeia e na América do Norte, fala Corival, "a maior parte do comércio é intrarregional", e para a América do Sul seria importante aumentar o comércio intrapaíses sul-americanos. Porém, acrescenta, não há nas relações do Brasil com qualquer um deles "uma política ativa, uma tentativa de incrementar, de construir projetos comuns", por causa, por exemplo, da falta de uma política externa do governo Bolsonaro para a região. Em razão da inexistência dessa política também, fala o professor, mesmo com a a posse de líderes de esquerda em nações sul-americana nos últimos meses, como Gabriel Boric, no Chile, e Pedro Castillo, no Peru, não houve qualquer mudança na relação deles com o Brasil.

Mudanças em 2023?

Caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vem liderando as pesquisas de intenção de voto e declarou apoio à candidatura de Petro, vença a eleição deste ano, de acordo com Lucas Rezende, por parte do Brasil, "certamente haverá uma retomada da agenda das relações sul-sul, um fortalecimento das relações com os países da América do Sul, em especial, e uma retomada de diálogo mais profundo com os parceiros estratégicos tradicionais do Brasil, como Estados Unidos, França, Argentina, China, Alemanha e demais países da Europa Ocidental, que hoje tem uma relação bastante fria com a nação devido às peculiaridades do governo Bolsonaro".

Já Corival do Carmo diz que "provavelmente" haverá uma maior aproximação do Brasil com a Colômbia em um eventual novo governo Lula a partir de 2023. Os anteriores do petista, fala o especialista, "levaram à criação da Unasul", e "para a agenda da integração sul-americana, caso a gestão de Lula queira retomá-la, é extremamente favorável a presença do governo Petro". "Até porque vai facilitar mediar a questão venezuelana. Não é possível resolver a questão venezuelana do ponto de vista regional sem a Colômbia, porque as tensões maiores estão na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia. Então interessa a um Brasil governado pelo Lula pacificar as relações com a Venezuela".

No mês passado, o petista disse que desejava a eleição de Petro para que, "a partir de outubro deste ano, Colômbia e Brasil possam se unir junto a outros países da América do Sul e construir uma América do Sul forte, com integração política, integração econômica, integração cultural, para que tenhamos um bloco muito forte para negociar com os outros blocos do mundo inteiro".

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