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Na capital da Ucrânia, a apreensão com um possível início da guerra

Sérgio Utsch, correspondente do SBT, conta a expectativa dos moradores de Kiev numa semana decisiva

As calçadas da avenida Khreschatyk, no centro de Kiev, estão cheias de gente. Cafés, lojas e shopping centers estão abertos. Poderia ser um domingo qualquer na capital da Ucrânia não fosse a combinação azul e amarelo colorindo o início de uma semana que pode ser decisiva para o futuro do país. As cores da bandeira ucraniana estão presentes em muitos daqueles que sobem a rua Heroyiv Nebesnoyi Sotni, ao lado do famoso hotel Ucrânia que, um dia, já se chamou Hotel Moscou.

Muitos levam flores nas mãos. O caminho é uma espécie de via sacra, com fotos, nomes e símbolos religiosos. Neste mesmo 20 de fevereiro de 2014, 77 pessoas foram assassinadas por uma unidade especial da polícia, que foi autorizada a usar balas letais contra os manifestantes que pediam a deposição do então presidente Víktor Yanukóvytch, que hoje vive no exílio na Rússia, sob a proteção do governo Putin. Foi o dia mais trágico das manifestações de 2014. Foi Yanukóvytch quem tomou a decisão de desistir da assinatura de um acordo com a União Europeia na última hora e optou pelo alinhamento político com Moscou.  

"Meu país virou outro naquele momento", conta Oksana Lukashuk. A bióloga se emocionou ao mostrar ao SBT News o nome de advogado de 30 anos, que estava entre os quase 150 mortos por um esquadrão especial da polícia ucraniana. "Somos uma capital europeia. Como tiveram coragem de matar essas pessoas? Elas estavam desarmadas." Entre uma lágrima e outra, Oksana mostra as pessoas que sobem a rua e, como ela, vêm depositar flores nos pequenos monumentos que lembram as vítimas. "Agora estamos mais fortes, unidos. As pessoas estão preparadas pra lutar pelo país."

Mulher no centro de Kiev
Oksana: "Estamos mais fortes, as pessoas estão preparadas para lutar pelo país" | Sérgio Utsch

Foi a luta por uma Ucrânia mais próxima da União Europeia e a deposição do presidente aliado de Moscou que gerou uma das maiores cicatrizes da história recente do país. Em 2014, a Rússia apoiou separatistas que tomaram o poder na região de Donbass, no leste ucraniano. Ao mesmo tempo, Moscou anexou a Criméia, uma península ucraniana no mar Negro. Desde então, as forças ucranianas enfrentam as milícias que recebem armas e apoio logístico de Moscou.

Os ucranianos vivem um misto de orgulho, tristeza e apreensão. "Pode ter guerra amanhã", diz Georgiv, motorista de táxi natural da Geórgia, outro país que se recusou a ter um alinhamento automático com Moscou e acabou invadido pelos russos em 2008, quando o mundo tinha os olhos voltados para a Olimpíada de Pequim. É uma história que tem semelhanças com a que se vê agora na Ucrânia. O argumento da Rússia para a intervenção militar foi garantir a segurança de territórios da Geórgia pró-Moscou que se declararam independentes. Moscou reconheceu a independência de Ossétia do Sul e Abkházia, ao contrário da maior parte do mundo, pra quem estes territórios fazem parte da Geórgia.

A história da Geórgia se repete no leste da Ucrânia que, neste momento, é o estopim dos piores confrontos nos últimos anos entre os separatistas apoiados pela Rússia e as forças ucranianas. Neste sábado, o governo da Ucrânia afirmou que 2 soldados foram mortos e 4 ficaram feridos. Do outro lado, os separatistas acusam os ucranianos de bombardearem alvos civis. O comando da auto-proclamada República de Donetsk alega que mulheres, crianças e idosos estão sendo levados para Rostov, já no território russo.


Tropas ficam 

Neste domingo, o governo de Belarus, país aliado de Moscou, confirmou que as tropas russas que estão no país vão permanecer por tempo indeterminado. Os exercícios militares terminariam hoje. Ontem, a Rússia testou mísseis balísticos hipersônicos, capazes de carregar armas nucleares, na maior demonstração de força até agora desde o início da crise.

A permanência das tropas russas em Belarus dá um sinal contrário ao que ensaiou a Rússia, no início da semana, quando anunciou que retiraria parte dos seus militares da fronteira. O ministro da Defesa da Ucrânia, Dmytro Kuleba, fez um apelo aos Estados Unidos e aos países europeus pra que comecem a retaliar os russos. "É hora de agir. O que estou dizendo oficialmente é que já há todas as condições para implementar pelo menos parte das sanções preparadas contra a Rússia".

Em Moscou, o porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov, afirmou que "não há razão para a Rússia atacar ninguém". Os sinais até agora, no entanto, não convenceram os países aliados. O presidente Joe Biden disse que o serviço de inteligência norte-americano tem informações de que Vladimir Putin está decidido a invadir a Ucrânia.

No centro de Kiev, que fica a menos de 150km da fronteira com Belarus, as bandeiras da Ucrânia tremulam com o vento que deixa a sensação térmica bem abaixo da temperatura de quase zero grau. O 20 de fevereiro é dia de lembrar de uma tragédia e de se preparar para a possibilidade de outra que muitos por aqui acreditam que está cada vez mais próxima.

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