Justiça

A alteração na Lei das Estatais e o desvelar da face da (i)moralidade administrativa

Lei n.º 13.303/2016 foi criada num período em que a sociedade clamava por maior transparência e responsabilidade com a máquina pública

*Corrupção em Debate é uma coluna do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC).

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A Lei n.º 13.303 do ano de 2016 ficou conhecida como Lei das Estatais, por dispor sobre o estatuto jurídico dessas empresas, representando naquele ano um grande avanço na regulação do setor. As empresas estatais abarcam as empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas respectivas subsidiárias e, embora explorem a atividade econômica e sejam pessoas jurídicas de direito privado, permanecem vinculadas ao Estado por meio da Administração Pública indireta. Na verdade, elas são criadas pelo Estado e tem por objetivo o desempenho de suas atividades administrativas de forma descentralizada; é o próprio Estado executando as atividades indiretamente. 

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Esse sucinto esclarecimento se faz necessário para se compreender como e quando a Lei das Estatais foi criada e quais as implicações em relação à mudança perquirida pelo Projeto de Lei n.º 2.896/2022, em tramitação no Congresso Nacional, que visa modificar algumas vedações impostas pela lei no preenchimento de cargos no Conselho de Administração e diretoria das empresas estatais.

Para quem não se lembra, o ano de 2016 foi marcado por muitos acontecimentos importantes e num período em que as investigações da Operação Lava Jato estavam a todo vapor.

Foi em 2016 que ocorreu o impeachment da presidente Dilma Rousseff; a prisão do deputado federal Eduardo Cunha; a prisão de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro; investigações e tentativas de afastamento pelo Supremo Tribunal Federal do Presidente do Senado Federal Renan Calheiros; dentre vários outros fatos que gravitaram em torno da necessidade de combate à corrupção nas diversas esferas de governo e sociedade. 

Essa foi a ambiência em que a Lei n.º 13.303/2016 foi criada, aprovada e publicada. Isto é, num período em que a sociedade clamava por maior transparência e responsabilidade com a máquina pública.

E visando mitigar o aparelhamento político nas empresas estatais, com indicações não técnicas e altamente lobistas, que se consignou no texto da mencionada lei algumas vedações, dentre elas a prevista no art. 17, § 2º, inciso II, que impede a indicação para o Conselho de Administração e diretoria de pessoas que tenham atuado como participantes da estrutura decisória de partidos políticos ou em trabalhos vinculados à organização, estruturação e realização de campanhas eleitorais nos últimos 36 (trinte e seis meses). 

Mas afinal, o que pretende o Projeto de Lei n.º 2.896/2022? Promover alterações na Lei n.º 13.303/2016, sendo uma delas a modificação da quarentena do inciso II, § 2º, do art. 17, substituindo o prazo de 36 (trinte e seis meses) para 30 (trinta) dias.

Proposta de mudança da Lei das Estatais tramita neste momento no Senado Federal | Agência Senado

O mencionado projeto já fora aprovado pela Câmara dos Deputados e encontra-se em tramitação no Senado Federal. Entretanto, a vedação da lei no que tange ao art. 17, citado, já está suspensa e a nomeação parcialmente livre de impedimentos. Isso porque houve manifestação do STF na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n.º 7.331, em decisão monocrática do Ministro Ricardo Lewandowski, em sede de liminar, que realizou interpretação conforme a Constituição ao inciso II, § 2º do art. 17, o qual passa a ser interpretado que a vedação se limita às pessoas que ainda participem da estrutura decisória de partidos políticos ou de trabalho vinculado à organização, estruturação e realização de campanha eleitoral, proibindo-se também a manutenção do vínculo partidário a partir do efetivo exercício do cargo.

Com relação ao tempo questionado, o Ministro expressou em seu voto que esse período de 36 (trinta e seis meses) é desarrazoado, o que configuraria violação ao princípio da proporcionalidade. 

Várias organizações como Transparência Internacional, Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Instituto Ethos, Instituto Não Aceito Corrupção, Transparência Brasil, entre outros, manifestaram indignação com o Projeto de Lei bem como com a decisão do STF, pois seria retrocesso dos padrões e boas práticas de governança.

Valendo lembrar que a própria OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que o Brasil deseja fazer parte, descreve em suas diretrizes sobre Governança Corporativa de Empresas Estatais que mecanismos para evitar conflitos de interesse e interferência política nos processos do conselho devem ser criados pelos Estados. 

A questão que se objeta é que a indicação por si só não caracteriza, independente do prazo ou das vedações, ilegalidades. Mas tais imposições legislativas foram criadas como mecanismos de controle e de barramento de possíveis ilegalidades. Todo ato administrativo, ainda que político, deve ser preenchido de motivação e finalidade, sendo certo que a única via adequada é aquela que perquire o interesse público, o bem comum.

O art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pontua os princípios que regem a Administração Pública direta e indireta, dentre eles a impessoalidade e moralidade. Frisa-se, moralidade. 

A moralidade administrativa vai muito além do que simplesmente agir com honestidade ou probidade com relação as ações administrativas. Pensar assim faz deslocar a incidência do princípio sobre o indivíduo, quanto na verdade deveria incidir sobre o Estado, o qual está sendo representado pelos indivíduos. O Estado existe em prol de uma coletividade, que por ele é representada.

Quando uma pessoa age em nome do Estado, age em prol da coletividade, cuja finalidade sempre deverá ser perquirir o bem comum, isto é, o bem daquilo que todos possuem em comum. Escolhas puramente pessoais desconfiguram a face representativa do Estado.


Sendo assim, para quem está acompanhando todo esse processo fica a indagação: o que tem movido essas alterações legislativas? Consegue-se ver a (i)moralidade nessas ações?

*Corrupção em Debate é uma coluna do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC).

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