Justiça

Corrupção, assumir o risco compensa?

Apesar das normas e leis anticorrupção, são frequentes os escândalos de ilícitos e práticas antiéticas

"Ser empresário é uma aventura para poucos". Certamente, é possível que já tenha ouvido esta frase. A saga do empresariado passa por gerenciar riscos sob diversos aspectos, dentre eles, riscos financeiros, jurídicos, ambientais, de corrupção e fraudes e tantos outros que desafiam os modelos de negócios existentes.

Apesar de todos estes riscos, há um fator a ser gerenciado que se apresenta como um grande desafio: a cultura da corrupção.

É importante ressaltar que o risco de materialização de uma fraude ou ato de corrupção esporádico é diferente dos riscos de uma cultura de corrupção instaurada, pois a questão cultural eleva a corrupção a outro patamar. É como se estive sempre fora do trilho, são forças destrutivas para qualquer organização, não importando o que se faça para prevenir ou punir.

+ Leia as últimas notícias no portal SBT News

Assim, apesar das normas e leis anticorrupção, além de diversos órgãos responsáveis por fazer valer os preceitos legais, ainda assim, são frequentes os escândalos de ilícitos e práticas antiéticas que causam descrença e desconfiança na forma como os negócios são conduzidos.

O caso recente da Americanas é apenas mais um que expôs ao mundo o quanto as fraudes corporativas podem afetar negativamente o valor das organizações, desestruturar negócios, causar danos financeiros, operacionais e reputacionais sem precedentes e, o pior, demonstrou haver uma cultura de prática de camuflagem de resultados, de anos a fio, que guiava as decisões e comportamentos dos executivos.

Não obstante, todo o impacto negativo gerado neste caso, a discussão não passa apenas pela possibilidade de prevenir novos incidentes e punir os responsáveis por tais ilícitos, afinal, fazia parte da cultura da organização, era assim que se apresentavam os resultados financeiros e continuaria assim, sabe-se lá até quando.

É preciso avançar ao cerne da problemática cultural que passa por entender até que ponto é aceitável ou é vantajoso correr riscos, a despeito de qualquer instrumento regulatório preventivo ou punitivo.

No mundo dos especialistas em gestão de riscos, existe o tal do "apetite a riscos", comumente estruturado nas mais diversas organizações, que representa uma espécie de régua com o nível de risco que uma instituição está disposta a assumir e aceitar em comparação ao atingimento de determinados objetivos estratégicos e de negócio.

Na prática, imagine um executivo que precisa decidir quanto a abertura de uma filial no exterior que expõe a organização a diversos riscos. A empresa pode assumir estes riscos para viabilizar o negócio, dentro de uma régua de tolerância, por exemplo, de perda de algum valor financeiro ou mesmo de tempo máximo para que o retorno dos investimentos comecem a ser contabilizados.

A grande vantagem de atuar com base nos fundamentos e técnicas de definição de apetite a riscos é permitir aos tomadores de decisão um limite de riscos a ser assumido que possa proteger o comprometimento da capacidade organizacional de se manter no mercado com sustentabilidade.

Neste ponto, é unânime, que a régua do apetite é sempre zero quando se trata de riscos de corrupção e fraudes, não há tolerância, tampouco, níveis aceitáveis de riscos, pelo menos, não explicitamente dispostos nas réguas de apetite a riscos.

Se o apetite à corrupção, teoricamente, é sempre zero e, ainda assim, a cultura da corrupção parece estar nas entranhas das estruturas institucionais, a despeito de todas as políticas, regras, instrumentos de prevenção e punição, algo é extremamente assombroso: a certeza de que não se trata de ter apetite zero a riscos de corrupção e fraudes e, sim, do quanto assumir estes riscos compensa.

Nos ambientes corporativos, recompensa significa incentivos que passam por remuneração, elevados benefícios, bônus, participação nos lucros e, portanto, recebidos por executivos que, por vezes, assumem determinados riscos, independentemente do quanto vão perder no futuro ou o quanto o negócio perderá.

Esta postura revela a pior face de executivos que buscam o lucro acima de todos e de tudo, pois sabem que a corrupção é um crime de baixo risco pessoal, é como se houvesse um alto ganho hoje que paga qualquer prejuízo no futuro.

Por outro lado, é libertador compreender que este cenário exige disrupção dos modelos e instrumentos existentes que, definitivamente, não são suficientes para combater e prevenir atos de fraudes e corrupção.

Se há uma cultura instaurada e, mais, se há recompensas extraordinárias, sejam legais ou financeiras, algo maior será necessário, não basta apenas alterar o sistema de recompensa ou mesmo aumentar o poder de punição.

É preciso mudar o mindset para a construção de organizações de valor, da educação de pessoas de valor, organizações e líderes que não são as melhores do mundo e, sim, as melhores para o mundo. É uma mudança de consciência. Utopia? Talvez. Há quem diga que apenas o endurecimento das leis, a exemplo da pena de morte para crimes de corrupção, funcionaria, são os adeptos da liderança pelo medo e controle.

O certo é que algo precisa mudar. O que acontece por trás destas fraudes é um problema de cultura e, na grande maioria dos casos, começa no topo, onde os valores dos líderes influenciam na tomada de decisões e um lapso ético tem o poder surpreendente de contribuir para o fracasso das organizações e das causar graves impactos sociais.

Enquanto o "status quo" for apenas a tríade normas, controles e punição, não haverá avanço maior do que o já observado nos últimos anos. O bônus tende a ser maior, mesmo que até uma possível punição com a morte, como se diz: "até a morte, vivi intensamente", poderia ser, para muitos, recompensador.

*Corrupção em Debate é uma coluna do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC)

Publicidade

Assuntos relacionados

portalnews
sbtnews
colunista-celia-lima-negrao
coluna
colunistas
justiça
brasil
colunista
corrupcao-em-debate
coluna-celia-lima-negrao

Últimas notícias

Lula participa de jantar na casa de Barroso com ministros do STF
Governo - 20/12/2023
Lula participa de jantar na casa de Barroso com ministros do STF
Recém aprovado pelo Senado para ocupar uma vaga no STF, o ministro Flávio Dino também esteve no jantar
Decisões individuais são um "imperativo" da realidade do Supremo, diz Barroso
Justiça - 19/12/2023
Decisões individuais são um "imperativo" da realidade do Supremo, diz Barroso
Em 2023, 84.650 das decisões da Corte foram individuais
Juíza absolve homem acusado de agredir irmã de Cristiano Zanin e cachorros
Justiça - 19/12/2023
Juíza absolve homem acusado de agredir irmã de Cristiano Zanin e cachorros
Em decisão, magistrada diz que réu agiu em legítima defesa diante de ataques dos animais e não é possível constatar ofensa à advogada
Dois PMs viram réus por morte na Operação Escudo, na Baixada Santista
Justiça - 19/12/2023
Dois PMs viram réus por morte na Operação Escudo, na Baixada Santista
É a primeira denúncia relacionada à operação, que deixou 28 mortos em um mês
Moraes manda soltar 46 acusados de participar dos atos golpistas
Justiça - 19/12/2023
Moraes manda soltar 46 acusados de participar dos atos golpistas
Ministro do STF também validou 38 acordos de não persecução penal
Lula aciona Supremo contra leis que facilitam acesso a armas de fogo
Justiça - 18/12/2023
Lula aciona Supremo contra leis que facilitam acesso a armas de fogo
Ações questionam nove normas estaduais e uma municipal
Justiça determina remoção de publicações que associam vacinas contra a covid-19 à Aids
Justiça - 18/12/2023
Justiça determina remoção de publicações que associam vacinas contra a covid-19 à Aids
Juízo reconheceu que a permanência das publicações em rede social favorece a propagação de informações falsas sobre a política de vacinação
Tribunal de Contas da União vai fiscalizar presentes recebidos por Lula em 2023
Justiça - 18/12/2023
Tribunal de Contas da União vai fiscalizar presentes recebidos por Lula em 2023
Ministros da Corte de Contas atenderam pedido feito por comissão da Câmara dos Deputados
Supremo forma maioria para rejeitar denúncia contra Ciro Nogueira
Justiça - 18/12/2023
Supremo forma maioria para rejeitar denúncia contra Ciro Nogueira
De acordo com a PGR, político teria recebido R$ 7,1 milhões em caixa dois para campanhas eleitorais em 2010 e 2014
Deputada Lucinha é afastada no RJ por suspeita de ligação com milícia
Justiça - 18/12/2023
Deputada Lucinha é afastada no RJ por suspeita de ligação com milícia
Deputada estadual do PSD é alvo de operação da Polícia Federal e Ministério Público; ela teve o gabinete revistado nesta 2ª feira (18.dez)