"O Brasil está de volta": entenda significado e contexto da fala de Lula na ONU
Com agenda de reuniões intensa, presidente já viajou para mais de 20 países em nove meses de mandato
Na última 3ª feira (19.set), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve em Nova York (EUA) para participar da 78ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Ao abrir o evento, o petista discursou sobre fome, desigualdade, crises mundiais e desenvolvimento sustentável. Lula ainda criticou o neoliberalismo, os conflitos armados e o embargo econômico a Cuba.
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Lula falou durante 21 minutos para uma plateia composta por presidentes, primeiros-ministros, ministros de Estado, diplomatas, parlamentares e outros integrantes das delegações das nações presentes. Muitas frases do discurso de Lula chamaram atenção dos espectadores. Não à toa, o brasileiro foi aplaudido sete vezes.
Em uma declaração voltada tanto para o público interno quanto externo, uma afirmação serviu para ambas as audiências: "o Brasil está de volta". Mas, o que Lula quis dizer com isso?
Contexto
Antônio Jorge Ramalho, professor de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília), explica que nos últimos anos "a imagem do Brasil nunca esteve tão negativa". Isso porque a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) agiu de "maneira inconsequente, desprovida de claro sentido de direção".
Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, acrescenta que antes de Bolsonaro o Brasil era visto no sistema internacional como um "ator equilibrado". Como exemplificação, Amaral cita as declarações de Bolsonaro que confrontava "as indicações da Organização Mundial da Saúde (OMS) em um cenário de pandemia da Covid-19".
Como o Brasil era visto antes
Apesar da imagem negativa do Brasil nos últimos anos, nem sempre o país foi visto como pária. Na verdade, o Brasil trabalhava na consolidação de sua relevância internacional. Amaral afirma que a fundação do BRICS em 2014 é resultado disso. Além das ações de diplomacia presidencial exercidas pelos primeiros governos de Lula.
O termo utilizado por Amaral, refere-se a uma política em que o presidente tem uma participação ativa e efetiva na execução da política externa. Foi a partir desse posicionamento que "as gestões anteriores de Lula deixaram saldo positivo", declara Ramalho. "Sua política externa foi pragmática e deu continuidade a boas diretrizes que vinham do passado, especialmente no que concerne a promover o desenvolvimento socioeconômico do país", finaliza.
Ramalho acrescenta que o ceticismo com que parte da comunidade internacional trata o Brasil, decorre, inclusive, de expectativas frustradas, visto que o país foi tratado com muito entusiasmo devido as recentes ações externas. "A maior parte, contudo, credite-se às omissões dos governos Dilma e Temer e aos despropósitos da gestão Bolsonaro", explica.
Recuperação de imagem
A atual gestão tenta primeiro trabalhar na recuperação da imagem brasileira, argumentam os especialistas, mesmo que isso leve tempo. "O Brasil precisará de décadas para reconquistar credibilidade e votos de confiança de seus interlocutores", acredita o professor da UnB.
Por isso, é tão importante que os dirigentes do Brasil tenha planos bem traçados de ações e declarações ao cenário internacional. Uma vez que "cada deslize é imediatamente explorado por atores que enxergam nisso alguma oportunidade de promover seus interesses", afirma Ramalho.
O governo brasileiro, inclusive, já cometeu descuidos. Como quando Lula igualou as responsabilidades de Rússia e Ucrânia na guerra entre os países, relativizou o conceito de democracia ao falar da Venezuela e questionou o porquê do Brasil ser signatário do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Rodrigo Amaral, no entanto, abre o debate para outro caminho: essas ações vistas como "deslizes", são deslizes para quem? Para o professor, as falas tidas como polêmicas sobre a Venezuela e Cuba, por exemplo, estão relacionadas ao que se espera por parte de "uma mídia tradicional liberal". "Acho que quando o Lula coloca esses países num patamar de importância, ele está, na verdade, valorizando um princípio que é liberal das relações internacionais que é o da soberania e da autodeterminação", explica.
Amaral instiga o porquê de se falar da violência civil e política desses países, mas não cobrar na mesma medida as questões acerca da Arábia Saudita e de Israel que, na visão do professor, são "protegidos dos Estados Unidos".
Afinal de contas, "o Brasil está de volta?"
Para ambos os professores a resposta é: sim, ou pelo menos está se encaminhando para tal posição. Mas, qual é a vantagem disso?
Rodrigo Amaral explica que essa notoriedade traz respeito internacional e o poder de potencializar novos acordos bilaterais. Além de estruturar uma redefinição do poder internacional, como outros países, como a China, têm feito.
E as desvantagens?
Na perspectiva do professor da PUC-SP, poucas são as desvantagens. Na verdade, o que há é uma maior pressão, cobrança e olhar sob o Brasil. "Acho que a desvantagem é essa: quando você é muito participativo, você também é cobrado por essa participação e pelas suas falas".
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