Economia

Por que a sustentabilidade não recebe os mesmos investimentos da indústria de armas?

Mesmo com o drama e os prejuízos da mudança climática, líderes mundiais preferem disputar territórios ou recursos naturais

Assim que a Ucrânia foi invadida por tropas russas, em 24 de fevereiro de 2022, o alto escalão da petroleira Shell recebeu ligações e e-mails exigindo a paralisação dos negócios na Rússia. Caso contrário, diziam os maiores acionistas da empresa, haveria um desinvestimento.

Não demorou uma semana para a operação ser interrompida. A Shell abriu mão de US$ 3 bilhões por ano. Provavelmente, o valor não fará diferença às contas. Ou, o prejuízo seria maior caso a empresa continuasse financiando, mesmo que indiretamente, um país que instala uma guerra.

A proporção do conflito gera também grandes impactos sociais e ambientais, o que o mercado financeiro não aceita desde que criou o ESG, sigla em inglês para meio ambiente, sociedade e governança. O impacto deve ser postivo. Se não, o consumidor de hoje em dia, boicota.

"Se a marca não toma esse posicionamento e sofre algum tipo de boicote dentro de seu próprio país ou mercado... o que seria uma perda grande poderia se tornar ainda maior. Inclusive, poderia inviabilizar a continuidade da empresa. Isso conversa muito com a temática ESG e de sustentabilidade. Qual decisão devo tomar hoje para garantir que a minha empresa continue existindo no futuro?", provoca o consultor em Compliance e Sustentbilidade, Jefferson Kiyohara.

Assim como a americana Shell, dezenas de outras marcas e de várias nacionalidades pararam de produzir ou comercializar tanto na Rússia quanto em Israel, que invadiu a Faixa de Gaza após um ataque do grupo terrorista Hamas. Além de outras companhias de energia, como BP, ExxonMobil e Equinor, marcas do varejo se posicionaram igual. A espanhola Zara e a sueca H&M fecharam mais de 500 lojas cada uma. No entretenimento, Disney, Warner, Sony e Netflix suspenderam lançamentos. Entre as automobilísticas estão Jaguar Land Rover, General Motors, Aston Martin e Rolls-Royce. Já a Volkswagem e a BMW tiveram que pausar as linhas de montagem por falta de peças. É que as maiores empresas de transporte de cargas do mundo, MSC e Maersk, não trabalham mais com os destinos Rússia e Israel.

Israel
Tropas de Israel invadindo o território da Faixa de Gaza | Cedida / Min. da Defesa de Israel

Ainda assim, as guerras continuam. É cada dia mais difícil viver nos países em conflito. Seja pela violência ou falta de recursos, produtos que não existem mais. Situação que pode gerar uma pressão popular. Afinal, além de consumidores, quem vive nos países em conflito são cidadãos. "É opinião pública. E opinião pública pressiona", lembra a doutora em ciências sociais, Marijane Lisboa. "Porém, nos dois casos, os principais governantes não ouvem a população", continua ela.

A provocação da doutora vai ao encontro da dúvida máxima sobre o tema: por que diante do maior problema da humanidade, que é o aquecimento global e a possibilidade de colapso do planeta, ainda há quem demonstre tamanha ganância a ponto de disputar pequenos territórios?

Jefferson comenta sobre um fator que considera básico: "Quando surgiu a pandemia da Covid-19, descobriu-se que somos dependentes. Sendo que muitos países ou autoridades não querem perder autonomia e poder. Então, se o recurso é limitado, tenho duas situações possíveis... 'Se é limitado, vou criar um modelo de uso que seja sustentável'. Ou 'se é limitado, tem que ser tudo meu'".

Marijane acredita que o comportamento descrito acima poderá ser visto mais vezes: "Há essa tendência de garantir recursos para um novo ciclo econômico. Para substituir as baterias ou motores movidos a combustíveis fósseis, por exemplo. Não é todo mundo que tem litio, paládio ou as chamadas terras-raras. Então, a gente tá assistindo uma tendência de reconfiguração das relações internacionais". O que deveria gerar um alerta, conforme ela. "O Brasil é o grande sítio para se explorar minérios e produzir hidrogênio verde. Para quê? Para que os países europeus renovem suas frotas para veículos eletricos. Considero que essa não é a prioridade da humanidade. São 8 bilhões de habitantes e uma boa parte passa fome. Temos uma mudança climática acontecendo. A necessidade de recursos é enorme. Para preparar, por exemplo, nossas cidades para as novas tempestades, deslizamentos e etc. Faz sentido que o Brasil começe a explorar de qualquer jeito? Que faça fazendas solares e eólicas no Nordeste, instaladas em cima de povos originais, de pescadores, arruinando comunidades? Imagino que não será boa a hora que chegar na Europa a informação de que as baterias são produzidas em uma comunidade quilombola onde as pessoas não dormem, tomam calmante, as galinhas nem põem mais ovos... Tudo por causa da vibração e barulho das usinas. Tem uma onda de enfrentamento dos combustíveis fósseis que é uma má solução".

Para os dois estudiosos, está óbvio que mesmo com o drama e os prejuízos causados pelo aquecimento global, os grandes líderes mundiais não estão comprometidos em evitá-los. As promessas não cumpridas dos países desenvolvidos de doar US$ 100 milhões aos países em desenvolvimento é outro indício. "Enquanto isso, o mundo investiu US$ 2.224 trilhões em armas só no ano passado", disse o presidente Lula em um dos discursos na 28ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28).

Se você quer saber mais sobre essa reconfiguração geopolítica e as guerras que atrapalham a agenda pela sustentabilidade do planeta, assita ao Foco ESG:

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