"Latin Dollar": já existe moeda virtual para América Latina, diz economista
Parâmetro para conversão de valores para compras e vendas entre países do continente vigorou até 2019
A ideia da criação de uma moeda virtual para liquidar as compras e vendas entre Brasil e Argentina foi divulgada no último fim de semana e debatida, nesta segunda-feira (23.jan), entre especialistas. O ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad, e o ministro argentino, Sergio Massa, concederam entrevista coletiva, em Buenos Aires, para tentar dirimir as dúvidas, mas diversas questões ainda estão pendentes de explicações.
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Economistas se empenharam em traduzir o que viria a ser a tal moeda -- chamada de "comum", mas equivocadamente entendida por alguns como "única" -- e em apontar alternativas para a adoção de uma divisa que teria por finalidade essencial esgotar as obrigações de compra e venda entre os dois países.
"Não é uma moeda que vá substituir o peso ou o real", aponta Monica De Bolle, economista radicada nos Estados Unidos e ex-diretora para América Latina da Universidade Johns Hopkins.
Segundo ela, a ideia é que essa divisa virtual sirva para converter os valores na hora de os países pagarem as operações de compra e venda entre si. "O que está sendo trabalhado é um estudo comum para se chegar a uma forma de dar 'nome' aos valores negociados nas transações entre o Brasil e a Argentina. Nada além disso", define De Bolle.
De tempos em tempos
A discussão não é nova, nem está esgotada. Com a repercussão na ordem do dia, economistas, empresários e a equipe do governo Lula se revezam em reuniões para buscar o encaminhamento possível para o assunto. Daí, não raro, surgem alternativas às primeiras propostas e críticas em profusão.
"Estão querendo contrariar a Lei da Gravidade", dispara Nathan Blanche, sócio-fundador e integrante do conselho da Tendências Consultoria. O ponto em que ele se baseia: não se pode colocar na mesma medida coisas diferentes. As realidades das duas economias não permite equiparação.
"Começa pela produtividade: a do Brasil hoje -- apesar dos pesares -- ainda é muito maior do que a da Argentina. É uma constatação. Mais um elemento. Um dólar hoje compra cinco reais e vinte. E compra 180 pesos argentinos. Como vai ser a equivalência, a correspondência entre as divisas, debaixo da tal 'moeda'? Vai-se arbitrar um valor? Não vai funcionar." - Nathan Blanche, Tendências Consultoria
Crédito em garantia
O presidente da Kaduna Consultoria e ex-diretor de comércio Exterior da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca, vai mais longe. Ele resgata o papel de uma fórmula que "já se mostrou efetiva" e que foi adotada, entre 1972 e 2019, pela Associação Latino Americana de Integração (ALADI), para balizar as trocas entre as nações do continente.
Ao mesmo tempo, exerceu o papel de uma espécie de garantidora dos créditos a receber entre os países. O foco era justamente fazer o fluxo comercial acontecer, mesmo entre países sem a liquidez da moeda estrangeira abundante. Era o Convênio de Créditos Recíprocos (CCR).
"Latin Dollar"
Ainda de acordo com Giannetti, os países associados ao 'CCR' teriam acordos bilaterais país a país. Assim fariam suas compras/vendas com os parceiros comerciais em negócios "individuais": os credores receberiam dessa espécie de "fundo" na sua própria moeda, em liquidação a cada quatro meses.
Em moeda forte, só o saldo da compensação (flutuação cambial). A medida, assim, evitaria inadimplência e não exigiria o emprego de moeda forte (como o dólar) em grande quantidade, beneficiando os países que não dispõem de divisa abundante.
"A justificativa da saída do Brasil do CCR foi por absoluto purismo liberal do BC, que diz que a autoridade monetária não é banco de fomento (no que tem razão teórica). Ficou por isso mesmo. Agora, é hora de rever esse grave equívoco estratégico", avalia.
"Nós, traders naquela época [1972], chamávamos de Latin Dollar, uma moeda escritural virtual da América Latina. Estamos fazendo o possível para convencer as autoridades do que é o CCR. Quando eu explico, as pessoas até se surpreendem. Claro que dá pra voltar, melhorar, aprimorar. Vão botar isso na pauta em breve do BNDES. É política de país que quer crescer." - Roberto Giannetti
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