Economia

Avanço da inflação obriga brasileiros a mudarem hábitos alimentares

Os cinco itens que mais encareceram nos últimos meses tiveram altas de dois dígitos

Batata-inglesa, queijo, hortaliças e verduras, frango, pão francês e carnes são alguns exemplos de alimentos que ficaram mais caros nos últimos 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com a valorização das commodities -- matérias-primas -- no mercado internacional, desvalorização do real frente ao dólar e escassez de chuvas, a inflação avança sobre componentes das refeições dos brasileiros e aparece como mais um obstáculo para as pessoas conseguirem se alimentar de forma saudável e, em muitos casos, ter o que comer.

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Na última 4ª feira (15.set), o Indicador de Inflação por Faixa de Renda, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apontou que, somente no mês passado, as famílias mais carentes sentiram no bolso os aumentos de preços do frango (4,5%), dos ovos (1,6%), da batata (20%), do açúcar (4,6%) e do café (7,6%). Ainda no período, alimentos e bebidas deram a segunda maior contribuição (1,39%) para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), cuja variação foi a maior para o mês em 21 anos. Já de agosto de 2020 a agosto de 2021, diz o IBGE, os cinco itens que mais encareceram tiveram altas de dois dígitos: pimentão (59,47%), açúcar refinado (37,74%), tomate (31,41%), carnes (30,77%) e frango inteiro (25,94%).

Na avaliação da doutora em ciência de alimentos Gláucia Pastore, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (FEA/Unicamp), "a situação é dramática". Em suas palavras, "com o agravamento do desemprego, mais a questão da pandemia e a inflação, subindo [o valor dos] alimentos, a expectativa é a pior possível. Porque de fato as pessoas de baixa renda já não têm possibilidade de comprar os alimentos necessários para o seu dia a dia, para sua alimentação saudável. Tomara ter algum alimento para comer. Parece que estamos voltando a 2002, quando a tratativa sobre segurança alimentar começou a ser intensificada".

Levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), afirma a professora, mostra que 116,8 milhões de cidadãos convivem com algum grau de insegurança alimentar, 43 milhões não possuem alimento em quantidade suficiente e 19 milhões enfrentam a fome. Confrontados com o encarecimento de determinado alimento, muitos procuram uma segunda opção, mas, desta vez, reforça a professora, a alta afeta até mesmo o principal substituto: "A alternativa que a gente primeiro pensa é a questão do frango. Porque a carne de frango é muito rica em substâncias importantes para a saúde, em proteína de boa qualidade, ela confere certas propriedades até de relaxamento para as pessoas. O problema é que também está caro. Começou a ficar mais caro até do que a gente podia prever. Então a saída é na verdade passar para as partes do frango".

"Hoje você tem inclusive os pés de galinha sendo buscados para fazer a sopa. E que na verdade é até uma coisa boa, porque o pé de galinha é rico mesmo em proteínas boas também. Não tão ricas quanto a carne de frango, mas ainda assim fornece algum tipo de nutriente bom", completou. Os miúdos do frango, como coração, fígado e moela também são apontados por ela como alternativas, devido ao fato de terem ferro e vitaminas, por exemplo. Segundo a nutricionista Andrezza Botelho, as propriedades e equivalências nutricionais dos alimentos são os principais fatores a serem considerados no momento de substituir um alimento por outro.

"Sempre que possível, escolher alimentos da mesma classe, como proteína animal, optando entre o peixe, ovo, frango, carne de porco, cortes bovinos mais baratos, podendo usufruir de outras técnicas de cocção, facilitando a mastigação e aproveitamento. [Entre] tubérculos, temos batata, batata doce, inhame, cará, mandioca. Se atentar com os rótulos também, o primeiro ingrediente é aquele que está em maior quantidade no produto. No final da lista aparecem nomes pouco familiares. Na maioria das vezes, aditivos químicos, emulsificantes, corantes e conservantes industriais", acrescenta.

Para não passar fome, brasileiros recorrem ainda a ossos. A professora da FEA/Unicamp reforça que, nesse caso, a pessoa terá "parte dos nutrientes e alguns minerais. Mas não vai ter proteína. Não vai ter a parte de lipídeos boa, gordura boa. Não é o ideal, mas entre isso e entrar no estado de carência nutricional, que é a primeira porta para a internação, a gente tem que orientar as pessoas próximas". Alimentação, pontua Gláucia, é um elemento central para a saúde.

A inflação dos alimentos

De acordo com o economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Mauro Rochlin, a valorização das commodities contribui para a alta dos preços dos alimentos no mercado nacional porque o exportador pensa sua receita em dólares e converte os valores na moeda americana para o real. Ele relembra ainda que, no início do ano passado, o dólar era cotado em cerca de R$ 4,00 e, atualmente, está em aproximadamente R$ 5,30. Já a escassez de chuva entra como um terceiro motivo da inflação, diz Mauro, porque "a crise hídrica impacta preço de geração de energia elétrica, e a energia elétrica é um insumo na produção de vários produtos industriais, além de que a crise hídrica também, claro, impacta a colheita de vários produtos agrícolas".

Ainda segundo o economista, para amenizar ou impedir a elevação dos preços, "não existe um figurino, digamos assim, de medidas previamente estabelecidas". Por outro lado, quando a inflação acelera, duas delas costumam ser adotadas: o aumento da taxa básica de juros, a Selic, por parte do Banco Central (BC), e o corte de orçamento, por parte do governo. Em relação à primeira, explica que, em tese, "juros mais caro tornam o crédito mais caro e isso desestimula o consumo. E com o consumo menor, os preços não tendem a aumentar mais". Já a segunda, fala o professor, é justificada pelo fato de o Executivo ser considerado um "grande consumidor".

Para os próximos meses, Mauro vê a possibilidade de uma inflação mais baixa se o dólar e a valorização das commodities, no mercado internacional, se mantiverem estáveis.

Hábitos alimentares

Mesmo antes da pandemia e do atual processo inflacionário, hábitos alimentares saudáveis estavam em queda no país, na avaliação da nutricionista Andrezza Botelho. "Uma alimentação marcada por consumo de alimentos ultraprocessados, como macarrão instantâneo, refrigerantes, guloseimas entre outros. Com a rotina do dia a dia, a escolha por alimentos práticos e consequentemente não saudáveis já vinha crescendo e com a inflação, a variedade de escolhas fica limitada. Se não intervirmos a tendência é só piorar", pontua.

Conforme levantamento da consultoria Kantar feita em sete regiões metropolitanas do país, no segundo trimestre deste ano, o consumo de batata congelada e empanados cresceu 6,8 e 5,8 pontos percentuais (pp) no período, respectivamente, em comparação com o mesmo trimestre de 2020, enquanto o de extrato de tomate (-6 pp), cereal tradicional (-5,1 pp) e farinha de trigo (-4,1 pp) caiu. Porém, anteriormente, a Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil, do IBGE, havia indicado que a ingestão de açúcar e de sódio acima do limite aceitável estavam em patamares elevados no país.

Segundo a professora Gláucia Pastore, "a partir de 2001, 2002 em diante, quando houve uma discussão mais aprimorada do que o SUS [Sistema Único de Saúde] podia orientar sobre a questão da alimentação, e tem uma legislação, existem orientações dentro do SUS fenomenais, que a gente se preocupasse com a alimentação do idoso, do escolar, das grávidas, do recém-nascido. Existem várias orientações que eram divulgadas na área da saúde, nos centros comunitários, isso ajudou muito, fez uma grande diferença. Mas com o passar do tempo, quando você não tem políticas públicas claras, tudo vai esmorecendo".

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"Então houve uma melhora, os dados da FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura] mostram que o brasileiro tinha diminuído a fome e melhorado muito o seu consumo de alimentos, o que ele escolhia. Aí com todas as dificuldades que estamos vivendo, a partir de certa época, é muito mais difícil, as pessoas não tem condição, elas vão comer o biscoito se tiver barato, vão preferir farinha de mandioca, coisas que estão mais acessíveis", acrescentou. Nesse cenário de deterioração dos hábitos alimentares, atuam ainda os restaurantes fast-food em uma corrente contrária à melhora da qualidade do consumo, praticando preços, por vezes, mais competitivos.

Segundo Gláucia, "as grandes redes, como são componentes de redes internacionais, elas têm mecanismos, pela quantidade que compram, de ter aquisição de alimentos para fazer o fast-food de forma mais vantajosa e isso reflete no preço. O fast-food sempre foi de muito atrativo, porque é uma coisa diferente, as crianças gostam, acham muito atrativo". Por outro lado, avalia, um processo educacional forte em diferentes áreas da sociedade pode levar as pessoas a passarem a consumir esses produtos com moderação, sem afetarem o organismo de forma grave.

Andrezza pondera ainda que "alimentos ultraprocessados e de rápido preparo costumam ter o preço superior ao de frutas, verduras, legumes, mas o desconhecimento ou a falsa informação de que uma alimentação saudável é mais cara induz a população a manter uma alimentação desequilibrada nutricionalmente".

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