Economia

Governo prevê enviar PL sobre reforma das garantias de crédito neste ano

Versão preliminar do texto modifica 50 artigos do Código Civil e inclui 50 novos

Disponível em consulta pública desde a semana passada, o chamado Projeto de Lei (PL) de Reforma das Garantias Reais prevê uma modernização do sistema de garantias de crédito no Brasil e pode configurar uma medida fundamental para a recuperação econômica do país no cenário pós-pandemia. O texto, que permanecerá aberto para receber sugestões de mudanças até o dia 9 de setembro, deve aumentar a oferta de empréstimos e melhorar o ambiente de negócios, segundo especialistas consultados pelo SBT News.

A primeira versão foi elaborada por um Grupo de Estudo Temático (GET) -- a pedido do Ministério da Economia --, que contou com 13 juristas de 12 instituições distintas, entre as quais o Banco Central (CB), a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Segundo o relator dessa proposta de reforma, o doutor em direito privado e presidente da Comissão de Crédito Imobiliário do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), Fábio Rocha Pinto e Silva, a necessidade de alterar o regime de garantias de crédito surge a partir de uma defasagem da regra geral, presente no Código Civil.

"O Brasil teve na sua história dois Códigos Civis, o de 1916 e o atual, de 2002. Nessa alteração do código, em 2002, muito pouca coisa mudou na matéria de garantia. Então a gente está falando de um sistema que ele está em grande parte baseado na lei de pouco mais de 100 anos atrás", afirmou Fábio. Ainda de acordo com ele, ao londo do tempo, em especial a partir da década de 60, diversas leis setorias foram criadas devido a essa defasagem, o que culminou em um "fenômeno de hipercomplexidade". "Ou seja, hoje se eu quero contratar uma garantia, em vez de eu olhar simplesmente no Código Civil, eu vou ter que olhar de repente em 15 leis diferentes para primeiro me situar, saber 'opa peraí, qual que é o meu setor econômico? Qual que é a lei que se aplica ao meu setor econômico?", completou.

O professor Francisco Satiro, do Departamento Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), por sua vez, classifica o atual sistema de garantias de crédito como "frágil" e concorda que é preciso reformá-lo. Para ele, da forma como está, a legislação "fez com que instituições financeiras optassem por modalidades de garantia que tem grandes problemas, como alienação fiduciária ou a cessão fiduciária".

Francisco explica que garantias desses tipos são mais modernas do que hipoteca e penhor, por exemplo, visto que consistem na transferência do bem para o credor, mas para dar um exemplo das ineficiências que trazem, cita uma situação hipotética envolvendo um veículo: "então você compra um carro e esse carro fica alienado para a financeira ou para o banco. Se você bater o carro, ele está em nome da financeira, o proprietário do carro é ela. É óbvio que o responsável é você, mas se você atropelar e matar alguma pessoa eventualmente, alguma coisa pode sobrar para a financeira. Que não tem nenhum interesse no carro, ela só quer receber o valor dele".

O professor, que não fez parte do GET, mas acompanhou as dicussões para a elaboração de uma reforma, acrescenta que um "bom sistema de garantias diminui o risco de inadimplência e isso tende a se refletir em crédito mais disponível e mais barato". Em suas palavras, "quanto maior a chance de uma operação de crédito não ter sucesso, quer dizer, de um crédito não ser pago, a tendência é que seja mais caro, os juros sejam mais altos, para compensar o risco, e, a partir de um determinado momento, que sequer haja crédito. Então insegurança do crédito leva a encarecimento e escassez dele".

Mudanças no sistema de garantias

A primeira versão do PL de Reforma das Garantias Reais modifica 50 artigos do Código Civil e inclui 50 novos, além de unificar 15 dispositivos legais e infralegais. O relator afirma que sua construção se deu também sobre o pilar da flexibilização do sistema. Dessa forma, entre as mudanças que prevê, está uma referente à listagem dos bens dados em garantia: "Então se eu vou dar tudo que tem na prateleira de um comércio, [atualmente] eu vou ter que fazer um inventário ali, uma lista de 50, 100 páginas descrevendo quantidade, item por item, e assim por diante. O que a gente pretende dizer [com o PL]? Dizer, olha, se eu estou dando em garantia tudo que tem na prateleira, a qualquer tempo, eu não preciso descrever. Eu posso dizer: está sendo dada a totalidade do estoque desse comércio, conforme estiver de tempos em tempos".

Dessa forma, diz Fábio, o projeto contribui para "gerar a abertura de novos mercados de crédito, de financiamento com garantia, que hoje não existem, e também uma redução substancial de custos transacionais para se dar um ativo como garantia". Outra modificação prevista pelo texto e que o relator destaca diz respeito à valorização de ativos, de modo a permitir que um mesmo bem muito valioso possa ser utilizado para garantir diferentes dívidas.

Para ilustrar, fala sobre o caso de um imóvel: "Eu financio um apartamento, dou um sinal de 20%, financio 80%, comprei um apartamento de R$ 1 milhão, devendo R$ 800 mil. Trinta anos de prazo para pagamento. Daqui dez anos, a minha dívida já caiu ali para R$ 600 mil e meu apartamento valorizou, vale R$ 1,5 milhão. Opa, então espera aí. Agora eu tenho aí um excesso de valor nesse apartamento, de R$ 900 mil. Ou seja, eu posso eventualmente tomar um segundo, um terceiro empréstimo, dando o mesmo apartamento em garantia".

O PL traz dispositivos também que centralizam informações sobre penhoras judiciais, em um sistema eletrônico, e asseguram que qualquer bem do ativo de uma companhia possa ser usado para garantir o pagamento em operação de crédito.

Inspirações

A elaboração do texto, diz Fábio, foi feita com base principalmente em uma lei modelo sobre o tema, aprovada em 2016 por um grupo de 60 países da Organização das Nações Unidas (ONU). O doutor em direito acrescenta que, no âmbito internacional, as principais mudanças no modelo de garantias começaram a ser implementadas na década de 60, nos Estados Unidos, e, hoje, de acordo com o Banco Mundial, 80 países possuem reformas já realizadas ou em andamento para modernizar o regime.

Também segundo o profissional, "o fundamento econômico da reforma é muito focado em pessoas jurídicas". O motivo, explica, é que "existe uma percepção, inclusive com base em estudos econômicos, de que é onde está a grande lacuna de crédito no mercado e o potencial de crescimento econômico".

Na avaliação do professor Francisco, a lei de referência aprovada pela ONU é "um ótimo modelo para o Brasil copiar"; segundo ele, o documento é fruto de um trabalho de anos da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL). De acordo com o governo, a expectativa é que o PL da Reforma das Garantias Reais seja aperfeiçoado nos próximos meses, com base nas respostas enviadas na consulta pública, e encaminhado ao Congresso até o final de 2021.

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