Brasil

Garimpo deixa marca de violência contra mulheres indígenas na Amazônia

Mesmo em cenário de subnotificação, registros se aproximam aos 4 mil casos em 18 meses

Com consequências que vão da terra ao próprio corpo, o garimpo deixa uma marca de violência contra mulheres indígenas que se perpetua mesmo após a contenção do crime. Em casos subnotificados, mas perceptíveis entre mulheres que acompanham a rotina de comunidades, os problemas vão de agressões físicas à violência sexual, e trazem um sentimento de dúvida sobre como agir ao lidar com a invasão do próprio território. 

+ Leia as últimas notícias no portal SBT News

A barreira linguística, a invisibilidade e a falta de informação são pontos semelhantes em relatos de representantes indígenas. Em uma visita feita há poucos meses à comunidade Maturacá, no Amazonas, Telma Taurepang conta ter se reunido com mulheres Yanomamis e encontrado um grande número de grávidas ou de indígenas que carregavam crianças pequenas. Em muitos dos casos, fruto de abuso.

"Elas foram pegas e estrupadas pelos garimpeiros, pela invasão. Tanto é que os bebês não são da etnia, são bebês brancos, de olhos claros. São bebês de homens brancos", diz Taurepang. Ela também destaca que a situação foi percebida em maioria por indígenas novas, com idades que variam entre os 12 e 17 anos. "Algumas sofreram violência, outras, por questão da passagem do próprio garimpo, da própria exploração do turismo", completa a coordenadora da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira.

Taurepang também relata que abusos ocorrem dentro da própria comunidade, por companheiros, e que a maior parte das mulheres indígenas possuem dificuldade de levar denúncias à diante. "As mulheres precisam ser ouvidas, e muitas não falam. Muitas ainda sentem receio. Muitas ainda são violentadas e, quando a gente leva essa discussão para dentro desses territórios, a gente fala que a violência sexual não é tradicional", aponta.

Mesmo com a subnotificação, o número de registros de violências contra mulheres indígenas no Brasil se aproxima dos 4 mil casos em 18 meses, de acordo com informações compiladas do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde. Os registros, ainda preliminares, apontam 2.474 casos de violência contra mulheres indígenas em 2022, e 1.469 entre janeiro e julho deste ano.

Em monitoramentos anteriores, divulgados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena, as principais situações de violência foram atribuídas ao espancamento e a ameaça. Os casos ocorrem principalmente dentro da própria casa. Publicação de maio deste ano feita pela ONU Mulheres, no entanto, destaca o aumento do índice de violência após ação do garimpo. Foram diversos casos reportados em consequência do crime nas regiões indígenas. 

"Em 2022, a Agência Sumaúma, em parceria com o Instituto Socioambiental e a organização indígena Hutukara, reportaram inúmeros casos em que mulheres e meninas indígenas estiveram sujeitas a exploração sexual e sexo por sobrevivência em troca de alimentos, álcool, celulares, armas e outros. É notável o número de incidentes de violência sexual contra meninas, em especial. De acordo com informações, em janeiro de 2023 haveria ao menos 30 meninas yanomami grávidas de garimpeiros", descreve estudo divulgado pela organização. 

Além da ação cometida pelos garimpeiros, o relatório também destaca que o avanço da ação ilegal impactou em aumento do registro de violência por parte dos homens indígenas, que passaram a ter mais acesso ao álcool e armas de fogo:  "Levado a maiores graus de violência com base em gênero, incluindo violência doméstica e sexual, perpetrada também por sujeitos de dentro das comunidades".

Ponto de vista do governo

A exposição de meninas e mulheres a situações de violências por invasões em territórios é também observada pela Secretária interina de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas, Joziléia Kaingang. Ela destaca que as ações contra a população indígena têm como primeiras vítimas mulheres e crianças: "A gente sabe que tem territórios indígenas que são invadidos, que as mulheres são violentadas, a gente viu nessa situação do garimpo na terra indígena Yanomami, as meninas crianças violentadas e que estão gestantes".

Como ação, o Ministério dos Povos Indígenas busca estratégias para lidar com o problema, e trabalha com projetos para conscientizar mulheres em comunidades a respeito dos direitos que elas possuem. Além de tornar informações acessíveis. Como primeiro passo, a pasta tem articulado para a implementação da tradução da Lei Maria da Penha para línguas indígenas. E negocia com a Advocacia Geral da União (AGU) para a tradução da Constituição Federal em uma novo dialeto indígena.

"Então, como você trata isso, como você trabalha com uma criança que tem o seu corpo violado e que não consegue compreender aquela lógica daquele homem não indígena que chega ali para machucar? Que machuca tudo, machuca a pessoa, mas machuca o território.  Eu acho que essas são as violências mais graves que a gente precisa enfrentar, e assim de olhos bem abertos, para a gente poder construir políticas que possam assegurar a segurança dos territórios", diz.

Projeto de Lei contra a violência

No Congresso, a deputada indígena Célia Xakriabá (Psol-MG) prepara um projeto de combate à violência contra mulheres indígenas, e quer formalizar a proposta no próximo mês, durante a Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília. A parlamentar defende a implementação de um sistema que permita o combate à violência pela justiça de forma interna, com a colaboração da própria comunidade.

"Pensar o combate à violência das mulheres indígenas é o combate ao feminicídio, mas eu tenho dito também sobre o combate ao mulhericídio, que é quando nos mantém vivos, mas tentam silenciar a nossa voz", defende.

Publicidade

Assuntos relacionados

portalnews
brasil
violência
mulheres indígenas
violência contra mulher
violência contra mulheres indígenas
combate à violência
feminicídio
lis-cappi
lis cappi

Últimas notícias

Brasil perde para a Alemanha e se complica no basquete olímpico
Esporte - 30/07/2024
Brasil perde para a Alemanha e se complica no basquete olímpico
Esquadrão brasileiro sofreu segunda derrota em Paris por 86 a 73 e tentará classificação às quartas de final contra o Japão
Japão é pedra no sapato do Brasil nas Olimpíadas de Paris; veja resultados
Olimpíadas - 29/07/2024
Japão é pedra no sapato do Brasil nas Olimpíadas de Paris; veja resultados
País asiático está levando a melhor contra os representantes brasileiros nos Jogos de Paris
Brasil perde para Japão de virada e se complica na fase de grupos das Olimpíadas
Olimpíadas - 28/07/2024
Brasil perde para Japão de virada e se complica na fase de grupos das Olimpíadas
Seleção brasileira sofre dois gols nos acréscimos do segundo tempo e dependerá de combinação de resultados para avançar na competição
Judoca Willian Lima garante prata e é primeiro medalhista brasileiro em Paris
Olimpíadas - 28/07/2024
Judoca Willian Lima garante prata e é primeiro medalhista brasileiro em Paris
Willian sofre ippon e acaba derrotado na final da categoria de 66kg pelo judoca japonês Abe Hifumi
Jorginho detona jogadores da seleção: "Acaba uma Copa América, já postam foto em Ibiza"
Sbt sports - 20/07/2024
Jorginho detona jogadores da seleção: "Acaba uma Copa América, já postam foto em Ibiza"
Campeão do Mundo em 94, ele fez o discurso durante um jantar em homenagem aos 30 anos do Tetra
Brasil perde para Uruguai nos pênaltis e é eliminado da Copa América
Copa américa - 07/07/2024
Brasil perde para Uruguai nos pênaltis e é eliminado da Copa América
Seleção brasileira fica no 0 a 0 no tempo regulamentar e cai nas quartas de final da competição continental
Conmebol admite erro em pênalti não marcado sobre Vini Jr
Copa américa - 03/07/2024
Conmebol admite erro em pênalti não marcado sobre Vini Jr
Segundo a entidade, VAR errou ao concluir que Muñoz havia tocado na bola antes de derrubar o brasileiro
Brasil empata com Colômbia e enfrentará Uruguai nas quartas da Copa América
Copa américa - 03/07/2024
Brasil empata com Colômbia e enfrentará Uruguai nas quartas da Copa América
Gol da seleção brasileira saiu pelos pés de Raphinha, de falta; classificada em primeiro lugar do Grupo D, seleção colombiana jogará contra o Panamá
"Tivemos Guardiola praticamente fechado com a seleção brasileira", diz agente
Seleção brasileira - 30/06/2024
"Tivemos Guardiola praticamente fechado com a seleção brasileira", diz agente
Empresário André Cury declarou que técnico espanhol quase assumiu Brasil antes da Copa do Mundo de 2014
Com dois gols de Vini Jr, Brasil goleia Paraguai na Copa América
Copa américa - 29/06/2024
Com dois gols de Vini Jr, Brasil goleia Paraguai na Copa América
Seleção brasileira se impõe no Allegiant Stadium, em Las Vegas, e ganha sem correr riscos