Brasil

"Falta de respeito" e "sarcástico": especialistas reagem ao livro Que Bobagem!

Obra assinada por Natalia Pasternak e Carlos Orsi critica práticas como psicanálise, homeopatia e acupuntura

O livro Que bobagem!: Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem Ser Levados a Sério (editora Contexto), assinado pelo casal Natalia Pasternak (doutora em microbiologia pela USP) e Carlos Orsi (jornalista e escritor), foi lançado há poucas semanas e já tem causado frisson.

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Fenômeno cultural e de polêmica

Os próprios autores, em entrevista ao SBT News, admitem que a obra virou "fenômeno cultural" só "por ter sido lançada, antes mesmo de ser lida". É que, ao longo das pouco mais de 300 páginas do livro, o casal discute a validade científica e a eficácia de uma série de práticas tradicionais, como psicanálise, homeopatia e acupuntura. E isso tem gerado controvérsia no mundo da ciência e da medicina.

Que Bobagem! aborda 12 temas "que não passam pelo crivo da ciência", segundo a sinopse oficial. Além dos três já citados, são atacados na obra astrologia, curas naturais, curas energéticas, modismos de dieta, paranormalidade, discos voadores, pseudoarqueologia, antroposofia e poder quântico.

"Recebemos desde elogios pela 'coragem' e até notas de repúdio. Talvez o efeito mais importante tenha sido a decisão do CFM [Conselho Federal de Medicina] de, depois de mais de 40 anos, rever o status da homeopatia como especialidade médica", avaliam os autores, em contato por e-mail com a reportagem.

Em entrevista recente ao Estadão, o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina do CFM, Jeancarlo Cavalcante, disse que a prática pode ter sua especialidade médica revista no Brasil a partir de novos estudos científicos.

O SBT News tentou contato com o CFM e a Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB) para comentar o assunto, mas não obteve retorno ou resposta até a publicação desta matéria.

Especialistas de psicanálise e acupuntura ouvidos pela reportagem -- ambos ainda não leram o livro -- defendem suas respectivas áreas e criticam a inclusão dessas práticas ao lado de universos com menos profundidade científica, como astrologia e paranormalidade.

Capa do livro Que Bobagem!
Livro tem gerado polêmica no mundo da ciência e da medicina | Editora Contexto/Divulgação

Psicanálise "é herdeira da medicina"

Analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), Paulo Cesar Sandler acredita que a "crítica [do livro] à idolatria é importante". "Mas se recai na iconoclastia, dá no mesmo", continua o psiquiatra do Instituto de Medicina e de Reabilitação no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).

Ele classifica a postura dos autores como "sarcástica" e defende a psicanálise como uma "ciência que tem método próprio, empírico, baseado em resultados da clínica psicanalítica, feita com pacientes individuais". "É herdeira da medicina. Não tem instrumentos como ressonância magnética ou estetoscópio. Lida com o desconhecido na hora da sessão, com vicissitudes da natureza humana", diz.

"Ela [Pasternak] diz que fez pesquisas que provam que a psicanálise não funciona, acupuntura também. Não sei que pesquisa ela fez. Acho que não está bem informada. Dessa maneira que ela coloca, não está definindo o que chama de psicanálise e de ciência. Toma a parte pelo todo", complementa.

Sandler também defende a noção de que "ciência exata não é tão exata assim". "O desconhecido se infiltra em toda a ciência. Eles falam como se conhecessem tudo. E isso atrai muitos leitores", avalia.

Na conversa com o SBT News, os autores dizem que a "psicanálise sempre foi frágil". "Os exemplos, casos e dados usados por Freud para embasar suas ideias sempre foram considerados insuficientes pelos principais filósofos da ciência -- e, nas últimas décadas, com a divulgação de cartas e diários do próprio Freud e de amigos e parentes próximos, ficou claro que, além de insuficientes, muitos desses casos e exemplos eram simplesmente falsos ou tinham sido distorcidos para 'encaixar' na teoria", argumentam Pasternak e Orsi.

Acupuntura: sustentada por estudos

Professor de acupuntura da Associação Brasileira de Acupuntura (ABA), Marcos Lisboa Neves vê o ataque à sua área como "falta de respeito com quem pesquisa".

"Eu entendo perfeitamente a bandeira que ela levanta. Tem coisas que realmente precisam ser ditas. Muitas práticas estão sendo vendidas e ofertadas à população sem qualquer evidência científica. Mas a gente tem que separar o joio do trigo. Não dá para botar tudo no mesmo balaio. Acupuntura não deve estar no meio dessas outras demais práticas, tem respaldo bem grande", explica o fisioterapeuta. 

Acupuntura
Acupuntura: oferecimento dessa prática é permitido no SUS | Reprodução/ABA

Neves esclarece que acupuntura "em primeiro lugar, tem plausibilidade biológica". Ele explica que a prática é sustentada por cerca de 40 mil estudos em revistas científicas de todo o mundo e por grandes centros de pesquisa, "não só da China". "A gente tem segurança não só da eficácia, como dos potenciais efeitos dessa prática", defende.

"Arriscaria dizer que acupuntura é a pratica não farmacológica, ou intervencao não farmacológica, mais estudada no mundo", completa Neves, especializado em dor e medicina paliativa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e com mestrado e doutorado em neurociência pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Neves ainda diz que acupuntura é um tratamento amparado por uma cultura milenar, a chinesa. "É um sistema de tratamento pertencente à medicina tradiconal chinesa. Quando a gente fala dessa parte, das teorias básicas da MTC, fala dessa cultura. E cultura a gente não questiona", argumenta.

Pasternak e Orsi alegam que "o fato de uma prática ter raízes culturais tradicionais não garante, por si só, que seja segura e eficaz".

E o que diz o Ministério da Saúde?

Várias das práticas criticadas em Que Bobagem!, MTC, como homeopatia, ioga e constelação familiar, fazem parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, conhecidas como PICs, desde 2006 e são permitidas no Sistema Único de Saúde (SUS). Ao todo, são 29 atividades.

Em nota, o Ministério da Saúde diz que "esta gestão valoriza a ciência sem deslegitimar os saberes tradicionais -- especialmente dos povos que vivem no Brasil, como indígenas e quilombolas -- que também devem ser valorizados".

"A implementação das PICS no SUS contribui com a integração entre a medicina moderna e as práticas tradicionais. As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) não substituem tratamentos convencionais, e sim os complementam com mais ofertas de saúde para a população", continua o comunicado enviado ao SBT News.

Ioga
Ioga é uma das PICs (Práticas Integrativas e Complementares) | José Cruz/Agência Brasil

A pasta ainda argumenta que essas práticas são parte integrante da estratégia da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre medicina tradicional. "A OMS tem o objetivo de apoiar os Estados-Membro a impulsionar a integração da medicina tradicional aos sistemas nacionais de saúde", diz o ministério.

"Atualmente, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS (PNPIC) está em processo de discussão e ampliação de oferta de serviços a partir das melhores evidências científicas e do objetivo terapêutico. Foram aprovadas 20 propostas que contemplam o fortalecimento da PNPIC na 17ª Conferência Nacional de Saúde, demonstrando o interesse popular em qualificar e ampliar a política", finaliza a nota.

Já Pasternak e Orsi são contra o oferecimento dessas práticas no SUS. "A única lógica para a categoria PIC existir é isentar certas práticas e teorias sobre saúde do dever de se provarem seguras e eficazes segundo critérios científicos", dizem os autores.

"Não vemos justificativa para esse tipo de isenção. O próprio argumento de que o Plano Nacional de PICs reflete respeito pelas culturas indígena e quilombola, usado pelo Ministério da Saúde, não se sustenta, porque a maior parte das práticas contempladas no plano tem origem europeia (como homeopatia, antroposofia, florais, ozonioterapia) ou norte-americana (quiropraxia)", alega ainda o casal.

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