Brasil

"A desinformação tem consequências reais", diz Michelle Ciulla

Diretora-executiva da Namle, defende o aprofundamento das conversas sobre desinformação

"A rapidez com que mudou a comunicação nos últimos 20 anos faz com que tenhamos dificuldade para entender as diferentes maneiras pelas quais obtemos informação", explica Michelle Ciulla, diretora-executiva da Associação Nacional para Educação em Alfabetização Midiática (Namle, na sigla em inglês). Ciulla foi uma das convidadas do evento de "Educação Midiática para a Democracia e Equidade Social", na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo.

Ao SBT News, a pesquisadora defendeu que as conversas sobre desinformação devem ser aprofundadas, até porque, segundo Ciulla, esse não é o principal problema do nosso sistema de comunicação.

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"Nós não entendemos realmente todas as diferentes maneiras pelas quais obtemos informação, entretenimento... É muito importante que a gente não pense que isso é somente um problema de desinformação, porque, se magicamente a gente tirasse toda essa desinformação, nós ainda precisaríamos de letramento midiático, educação midiática, porque existem tantos meios de comunicação que nos impactam todos os dias", afirmou Ciulla.

Confira a entrevista na íntegra com a diretora-executiva da Associação Nacional para Educação em Alfabetização Midiática (Namle), Michelle Ciulla:

Assista ao vídeo

SBT News -- Como a desinformação pode estimular coisas ruins no mundo das mídias sociais?

Michelle Ciulla -- Eu acho que o combate à desinformação tornou-se uma grande parte das discussões culturais em todo o mundo. E essa mudança começou com as mídias sociais.

A rapidez que nós consumimos informação e a quantidade de informação que nós temos acesso é tão esmagadora que fica difícil lutar contra a desinformação, justamente por causa dessa rapidez e quantidade.

Mas, a desinformação tem consequências reais, nós vimos consequências políticas, consequências na saúde. Lembre tudo que nós vimos durante a pandemia. Então, a desinformação tem consequências reais.

Mas, o que é interessante, de um ponto de vista de educação midiática, é que não é suficiente só perguntar se a informação é verdadeira ou falsa.

Nós queremos ter um entendimento mais profundo sobre a desinformação do que só 'ok, eu não deveria acreditar nisto', porque é importante entender até mesmo a desinformação.

É importante entender porque a estamos vendo, qual é a agenda, o que estão tentando fazer com ela, e é aí que a educação midiática, o letramento midiático, entra, porque nos permite um entendimento mais aprofundado, não só simplesmente identificar a informação falsa, mas também entendê-la.

SBT News -- Tomar ação...

Michelle Ciulla -- Sim.

SBT News -- Como podemos tomar uma ação nesse ambiente?

Michelle Ciulla -- Eu acho que é muito importante, e nós vemos isso nos Estados Unidos, mas é muito, muito, similar no Brasil, é que temos que usar uma abordagem colaborativa.

No Brasil, você tem esse novo departamento no governo federal (Secretaria de Políticas Digitais), que está abordando esses assuntos, que está olhando o que temos que fazer, em nível nacional, com a educação midiática. Isso é incrível.

Nós não podemos resolver os nossos problemas a menos que estejamos trabalhando juntos. Então, tem que envolver o governo, a educação, as plataformas de mídias sociais, pesquisadores, o público geral.

Nós não vamos resolver esse problema gigantesco que nós temos sem trabalhar juntos. Nós precisamos de diferentes atores envolvidos na resolução do problema.

A mídia é global, não existem barreiras geográficas, não existem fronteiras geográficas nesse panorama global e o ecossistema disso é tão complicado, que nós precisamos trabalhar além das fronteiras, trabalhar juntos.

SBT News -- Para construir uma rede forte, mais poderosa que a desinformação. É isso? É essa a solução?

Michelle Ciulla -- Eu acho que para construirmos uma rede que possa trabalhar junto para entender o problema. Porque o problema não é apenas a desinformação, o problema é que o nosso sistema de comunicação mudou completamente em 20 anos e nenhum de nós sabe o que fazer com isso.

Então, quais habilidades nós precisamos para esse tipo de ambiente que está sempre mudando? É por isso que, às vezes, eu fico frustrada ao falar sobre desinformação, porque eu argumentaria que nós nem ao menos entendemos a informação.

Nós não entendemos realmente todas as diferentes maneiras pelas quais obtemos informação, entretenimento, você sabe, videogames, diferentes plataformas de mídia social.

É muito importante que a gente não pense que isso é somente um problema de desinformação, porque, se magicamente a gente tirasse toda essa desinformação, nós ainda precisaríamos de letramento midiático, educação midiática, porque existem tantos meios de comunicação que nos impactam todos os dias. 

SBT News -- Como o jornalismo profissional pode auxiliar na construção de novas maneiras de educar as nossas crianças?

Michelle Ciulla -- Eu acho que o jornalismo e letramento midiático se complementam, são bons parceiros. Nós temos bastantes parcerias com jornalistas e meios de comunicação.

Acho que o jornalismo desempenha um papel muito importante, porque o jornalismo entende o quão importante é uma sociedade com letramento midiático para o próprio jornalismo.

Acho que o jornalismo pode ter um grande papel ao dar atenção a esta questão, publicando reportagens sobre a educação [midiática] e o que está acontecendo no sistema educacional, aumentando a importância dessas questões.

Mas, também acredito que a transparência dos meios de comunicação, se assegurar que seus leitores conheçam o processo, é parte do letramento midiático.

É saber como o jornalismo funciona. Porque as pessoas vão confiar mais nos sistemas se elas realmente entenderem como eles funcionam.

SBT News -- Como a inteligência artificial está mudando esse cenário em geral?

Michelle Ciulla -- A inteligência artificial é algo magnífico, especialmente pelo fato da quantidade de pessoas que estão falando sobre ela sem perceber que temos lidando com a inteligência artificial por tanto tempo. E diria que é por isso que é tão importante habilidades baseadas em estratégia, porque no momento é a inteligência artificial, mas, o que vem a seguir?

Quem sabe o que vem a seguir? Quais são as habilidades que nós precisamos para evoluir, independentemente das mudanças na tecnologia? Se focarmos nas habilidades, podemos ter uma chance maior do que apenas focando na tecnologia atual.

Mas também é por isso que apenas determinar se algo é real ou falso ficará cada vez mais difícil e é por isso que também precisamos buscar uma compreensão mais profunda sobre o assunto.

SBT News -- Como um programa de educação midiática pode ser implementado no Brasil, Estados Unidos e outros países?

Michelle Ciulla -- Eu acho que é muito importante nós pensarmos no letramento midiático como uma habilidade para o longo da vida. Então é preciso abordar essas habilidades de várias maneiras diferentes.

Certamente na educação básica, desde a mais tenra idade até o que chamamos de ensino médio, não sei como se chama aqui, os anos escolares anteriores à entrada na universidade, tem que ser integrado nas aulas. 

Os professores precisam de suporte, de desenvolvimento profissional, mas também não podemos esquecer dos adultos. Precisamos de instituições comunitárias, mídia comunitária, bibliotecas comunitárias, para dar suporte para as pessoas mais velhas também. 

SBT News --  Quais são os pontos principais que devem ser considerados pelas instituições de ensino, diretores, professores?

Michelle Ciulla -- Você diz sobre o que precisamos começar a ensinar? Nós definimos o letramento midiático na habilidade de abordar, analisar, avaliar, criar e agir. Todas essas coisas. 

Então, nós, como pensadores críticos, como comunicadores, e como cidadãos, todo o nosso trabalho tem que ser com essas habilidades em mente. 

SBT News --  A mídia social está influenciando profundamente a vida das crianças, como governo pode promover um relacionamento saudável com as mídias sociais?

Michelle Ciulla -- Acho que os pais têm um trabalho bem difícil no momento, especialmente pais de crianças pequenas que vivenciaram a pandemia. Eles não cresceram desse jeito, eles não cresceram nesse mundo saturado de tecnologia. 

Precisamos dar suporte a eles, nós temos que dar a eles educação, e nós temos que garantir a construção de um sistema de educação parental, para que eles tenham ajuda ao guiar os seus filhos durante esse período.

Quero dizer, como eles sabem? Os pais estão sobrecarregados pelas mudanças tecnológicas. Eles não se identificam com isso, eles não sabem como as escolas estão atualmente ou como suas crianças se relacionam, porque é muito diferente. 

Precisamos construir um suporte governamental, nós precisamos construir modelos educacionais para os pais ajudarem seus filhos navegarem.

Talvez, seja por meio das escolas, por meio de programas de educação parental, talvez, de novo, nós estamos olhando para organizações comunitárias que estão ajudando os pais a navegar esse mundo complexo em que eles estão criando seus filhos.

É muito complicado, então tudo que pudermos fazer para os pais, nós deveríamos estar fazendo. 

SBT News -- Eu gostaria de fazer uma previsão, o que você vê para daqui a 5 anos na educação, na inteligência artificial e políticas governamentais sobre o assunto?

Michelle Ciulla -- Eu amo essa pergunta. Penso que precisamos reconhecer é que chegamos tão longe em um período tão curto. Então, para nós, tudo mudou em 2016 nos Estados Unidos, quando fake news tornou-se parte das conversas. 

Naquele período, nós ainda estávamos aprendendo que as empresas de mídia social estavam pegando nossos dados. Há apenas 6 anos isso era informação nova. 

Pense onde estamos agora, em apenas 6, 7 anos, nós estamos debatendo o regulamento das mídias, processos educacionais, nós estamos tendo essas conversas profundas que eram inimagináveis há 10 anos.

Então, eu estou bastante otimista, porque estamos tendo as conversas certas, estamos fazendo as perguntas certas. O que vamos ver em 5 anos? Quero ver um compromisso de prioridade nacional, seja no Brasil ou nos Estados Unidos. Uma prioridade mundial.

Mas, de verdade, isso tem que se tornar um compromisso de prioridade nacional para todos os países. Estamos perdendo várias gerações de pessoas se nós não permitirmos que elas aprendam as habilidades para prosperar e liderar. Para mim, daqui a cinco anos, vamos ver a educação midiática como uma prioridade nacional e totalmente integrada nas escolas desde as idades mais tenras.

SBT News -- Uma última pergunta. O que você aprendeu sobre a socialização nas mídias aqui no Brasil durante esse período aqui?

Michelle Ciulla -- Estou aqui há alguns dias, eu não devo ter aprendido tanto assim... Mas, o que me fascina, é que há muitos paralelos nos desafios, nas luta, na polarização, e no ecossistema de notícias.

Tem sido bem interessante de aprender. E todos, todos, no Brasil são tão legais e acolhedores. Então, obrigada!

SBT News -- Obrigado, obrigado pela entrevista

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