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Educação midiática deve integrar o currículo escolar, diz Patrícia Blanco

Presidente do Instituto Palavra Aberta fala sobre os desafios da educação midiática e a alfabetização

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presidente do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco, falou ao SBT News durante o Encontro Internacional de Educação Midiática, na última semana, na ESPM, em São Paulo, que a educação midiática deve passar a integrar o currículo escolar já nas séries primárias, visto que a exposição às informações começa ainda na infância -- e em grande quantidade.

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"O conceito de alfabetização mudou. Junto com aprender a ler e a escrever, você precisa também saber interpretar todos os conteúdos que chegam até nós nessa avalanche informacional. Então, a educação midiática tem que estar já nos primeiros anos, para que, junto com esse aprendizado da leitura, você saber também da onde vem aquela informação, interrogar aquela informação".

Patrícia Blanco defendeu ainda necessidade de uma mudança no padrão de consumo da informação.

"A sociedade como um todo precisa entender não só que esses instrumentos te deram um poder enorme de acessar [conteúdos], mas também te trazem uma responsabilidade ainda maior na hora de interagir com conteúdos. Isso é o que acontece com o fenômeno da desinformação, por exemplo".

"A gente precisa sair da passividade. É uma responsabilidade desse novo consumidor de informação do século XXI. A gente precisa ter essa atitude proativa".


SBT News -- Patrícia, a discussão aqui hoje é sobre educação midiática. Quais são os desafios da educação midiática, com a alfabetização regular? 

Patrícia Blanco -- O evento de hoje é sobre essa discussão, sobre como trazer educação midiática para o ensino formal de aprendizagem. Porque o que acontece, é que hoje o conceito de alfabetização mudou junto com aprender a ler e escrever. Você precisa também saber interpretar todos os conteúdos que chegam até nós, nessa avalanche informacional. 

A educação midiática tem que estar nos currículos escolares desde os primeiros anos, para junto com o aprendizado da leitura, saber também da onde vem aquela informação, interrogar aquela informação, saber questionar, saber o propósito dela e saber identificar conteúdos. Então, cada vez mais, a união entre alfabetização e educação midiática é necessária desde os primeiros anos.

SBT News -- Explica melhor para a gente, como é que a gente trabalha essa discussão? De quais formas pedagógicas a gente pode trabalhar isso? Não só nas séries iniciais mas também no ensino médio, por exemplo. 

Patrícia Blanco -- Bom, começando dos anos iniciais a gente tem, dentro do currículo da Base Nacional Comum Curricular que o Brasil tem, há diversos espaços, além da língua portuguesa, para você tratar questões de cultura digital, por exemplo. 

Você pode numa aula discutir questões de geografia, de matemática, de ciências ou até no ensino fundamental, [fazer] a leitura de imagem.

Trazer a camada de educação mediática, mas a BNCC, que é a base, foi além. Quando [a lei] foi aprovada, ela trouxe [a educação midiática] dentro do campo? 

SBT News -- A BNCC é? 

Patrícia Blanco -- A Base Nacional Comum Curricular, ela trouxe dentro do campo da língua portuguesa a área de campo jornalístico midiático, que é a discussão sobre os gêneros textuais, sabendo interpretar um fato. Saber interpretar o que é um artigo de opinião, saber diferenciar uma reportagem de um post publicitário. 

Então, nesse contexto, é possível você trazer planos de aula, materiais pedagógicos, que suportem o professor de língua portuguesa, para que ele traga a camada de educação midiática. Isso em todos os anos, e no ensino médio, se torna ainda mais relevante, porque a gente sabe que o ensino médio, os adolescentes, já estão totalmente imersos nesse mundo digital. 

Hoje, a forma como se consome informação, se é sempre em um dispositivo móvel de uma forma de leitura muito mais na vertical do que na horizontal. Então, a forma de ler é diferente e é, nesse sentido, que a educação midiática traz instrumentos para capacitar esses jovens a interpretar os conteúdos.

SBT News -- Patrícia, uma coisa, você está imerso nesse universo, familiarizado com ele e outra coisa você exercer o poder de crítica em cima desse universo, são coisas distintas e que acredito eu, que vocês estão discutindo hoje aqui para trabalhar isso, não só no jovem, mas no adulto?

Patrícia Blanco -- A sociedade inteira está imensa no ambiente digital, no ambiente informacional conectado. Se a gente considerar de 10 a 15 anos para cá, nem há tanto tempo, a gente saiu de um modelo que era unidirecional. Existiam poucos produtores de conteúdo que disseminavam conteúdo para o mundo e você não tinha uma inteira relação com advento da tecnologia. O que começou a acontecer é que todos nós passamos a ser produtores de conteúdo, a gente tem um dispositivo móvel, a gente filma, a gente grava, a gente posa, a gente curte, a gente compartilha... Então, a gente está produzindo conteúdo e, nesse contexto, a sociedade como um todo precisa entender, não só que esses instrumentos te deram um poder enorme, de acessar, mas, também, te trazem uma responsabilidade ainda maior na hora de interagir com os conteúdos. 

Isso é o que acontece com o fenômeno da desinformação. Por exemplo, a gente acabou consumindo diversos conteúdos que vem de fontes que a gente não sabe quem, de quem são e a gente distribui, compartilha e fala só "estou repassando". 

O fato é que, toda a sociedade que está imersa nesse ambiente digital que sobrevive hoje. Muitas vezes, o ambiente digital precisa ser educado midiaticamente, a gente propõe começar na escola. Mas, é a sociedade, como um todo, precisa ter esse direcionamento profissional.

SBT News -- Você falando dessa discussão, a gente pensa no seguinte: o jornalismo profissional é tão importante para ajudar e, não se dá também um pouco, a mostrar caminhos para essa educação midiática. O profissional de imprensa é responsabilizado, tem uma formação de 4 a 5 anos na faculdade, às vezes tem uma pós-graduação... Então é se basear mesmo no caminho, por exemplo, do jornalismo profissional?

Patrícia Blanco -- Se basear no caminho, mas é formar uma audiência crítica que valorize o jornalismo, porque o jornalista tem método, ele tem processo, ele é responsabilizado, se coloca na frente quando assina uma matéria. Então, ele não tem compromisso com erro, ele pode errar, claro todos nós profissionais podemos errar...

Mas, o jornalista não tem compromisso com erro e, nesse sentido, a valorização desse profissional que traz a informação e que checa essa informação, e que tá trazendo informações de qualidade. A gente precisa fazer com que o público volte a valorizar [o jornalismo profissional]. E que consiga diferenciar e o ponto acho que é fundamental que consiga diferenciar. O que a gente quer é uma informação produzida por qualquer cidadão, qualquer autoridade de plantão ou influenciador e que uma informação, produzida pelo jornalista que segue esses critérios, que segue esses métodos e que segue princípios éticos que são fundamentais na profissão.

Então, a educação midiática também tem esse papel de fazer com que o cidadão valorize a informação de qualidade e que passe também a pagar por ela.

SBT News -- No meio desse caminho a gente tem poder do algoritmo, que vai se basear muitas vezes ali nas suas emoções, dos seus cliques, as suas reações, o seu tempo em cada página, por exemplo. E ele vai muitas vezes te levar ou te conduzir para uma determinada bolha, se você não tiver uma crítica. Você fica naquela bolha e acha que seu mundo é aquele mundo ali, daquela bolha, que é o que está acontecendo, por exemplo, com a polarização. Não só no Brasil, mas, em outros lugares também. Como escapar disso, trabalhar essa discussão para jovens e adultos?

Patrícia Blanco -- Essa pergunta é excelente, porque abre para gente uma discussão muito importante, que é justamente uma coisa que a gente tem falado muito, e que a educação midiática traz, que é o "furar a bolha". Se você não quer ficar preso numa única opinião, saia dela. Procure fontes alternativas, procure veículos no qual você confia, de quem pensa em diferente de você.  A gente que diz muito que o consumidor de notícias, o indivíduo cidadão tem que sair da postura reativa, da postura passiva e tem que passar a ter uma postura proativa em relação à informação. Senão, ele ficará preso ali mesmo, é o que acontece com o algoritmo. Ele traz essas noções, ele facilita a nossa vida, é muito legal. 

A gente só recebe matérias, e até conteúdos daquilo que a gente quer de fato. Mas, a gente precisa sair da passividade, é uma responsabilidade desse novo consumidor de informação do século XXI. A gente precisa ter essa atitude proativa e a educação midiática traz isso. Um dos eixos fundamentais da educação midiática é análise crítica da informação. Que é justamente você é despertar um olhar crítico, para que o cidadão passe a ter essa proatividade. Então, quando ele recebe uma informação, a gente brinca, tem uma frase que a gente usa muito com professores para atrair os alunos que é o "epa, pera aí o quê epa, receber essa informação, espera aí, o que é isso?".

Posso investigar um pouco mais e não ter aquela atitude, de quem espalha desinformação? Que a gente simplesmente replique, seja um agente disseminador dessa desinformação? Então, a gente para, respira, analisa, avalia, faz perguntas e questiona essa informação como o jornalista.

A gente tem um plano de aula que é muito legal, que é o "aprenda como um jornalista" porque o jornalismo traz para gente essas perguntas. O jornalista é curioso, ele quer investigar um pouco mais. Ele, quer ir a fundo na informação. Todos nós temos que ser um pouquinho mais jornalistas na hora de consumir informação.

SBT News -- Vocês têm um trabalho de alfabetização digital em algumas escolas públicas.  O grande desafio é a gente expandir isso de espaços de elite, para espaços mais amplos. Como é esse trabalho e se essas iniciativas ainda são isoladas e precisam virar uma política pública efetiva de governo?

Patrícia Blanco -- É isso que a gente prega, nosso objetivo no Palavra Aberta quando lançamos o 'Educamídia' é que é o programa de educação midiática do produto, foi trabalhar com as autoridades constituídas, Poder Legislativo e Executivo, é ir nos municípios e estados, a criação de uma política pública de educação midiática. 

A gente tá com a presença do secretário João Brandt que é da Secretaria de Políticas Digitais que criou um Departamento de Educação Midiática, que está lançando uma consulta pública para justamente criar política nacional de educação midiática. Isso é um avanço para a gente em termos de territorialidade do país, de atingir outros universos, outros territórios. Mas, o Educamidia nasceu com o propósito de disseminar a educação midiática independentemente do público e do privado. E a gente tem hoje parcerias não onerosas com 12 estados com secretarias estaduais e municipais de educação.  A gente atingiu uma parceria que a gente fez com a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, com  4 milhões e meio de alunos nos últimos dois anos, levando a educação midiática para fora do universo privado. E a gente tem um trabalho que é justamente atrair secretarias municipais, secretarias estaduais na busca de formação de professores e da oferta de materiais totalmente gratuitos, para que o aluno seja beneficiado.

Mas, a gente tem também, só um ponto, que a gente pensa para fora da escola. A gente tem o Educamidia que é para a educação formal, mas a gente tem o Educamídia 60+, que é voltado para o público acima de 60 anos. Que é vulnerável, que é afetado pela desinformação, que é afetado por golpes virtuais. Então, a gente tem um trabalho também de pensar na sociedade como um todo. E é engraçado que assim quando a gente lançou o "60+", a gente não imaginou que a gente tinha que pensar na sociedade como um todo. 

Eu brinco hoje lá na Palavra Aberta que a gente deveria chamar renomear o "60+" mais para Educamídia 'mais' porque todos nós, qualquer cidadão, de qualquer faixa etária, precisa ser educado midiaticamente. 

Patrícia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta | SBT

SBT News -- Patrícia, eu sou um professor lá no Norte do Brasil, eu sou um estudante no Nordeste... Como é que acesso o conteúdo de vocês, como é que peço ajuda de vocês na minha escola, na minha comunidade, como é esse processo de assessoria e como que me informo através da internet. Como que desenvolvo essa postura crítica que não só com instrumento de vocês, mas com outros instrumentos disponíveis online?

Patrícia Blanco -- Hoje tem existem inúmeros instrumentos online, sugiro que quem tá nos assistindo e que ele tem interesse em saber mais, siga a gente nas nossas redes. A gente tem o Educamídia, o Educamidia "60+". O "Fake to Fora", que é um projeto voltado para combater desinformação no período eleitoral.

Foi muito legal como estudante do ensino médio é que fala sobre educação para democracia e educação midiática, também fundamental. A gente tem em todo os nossos canais, mas a gente tem um repositório de materiais totalmente gratuitos, que tá no site educamídia.org.br. Lá é possível baixar planos de aula é acessar os nossos conteúdos e a gente tem oferece gratuitamente e semestralmente cursos de formação de professores.  A cada semestre a gente abre uma turma a gente abre para 1 mil vagas é a última está acabando agora em agosto a gente vai ter uma nova turma. Então, hoje essa comunidade que se formou em torno da educação midiática tá muito forte e tem diversos projetos. Comecem pelo Educamidia e, depois, desçam para os outros todos [conteúdos].


Saiba mais:

+ Avanço da tecnologia traz desafios para mídia e na formação do senso crítico
+ Secom critica engajamento nas plataformas e lança consulta pública de educação midiática

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