Brasil

Combate à corrupção no Brasil não é efetivo, avaliam especialistas

Estão abertas as inscrições da terceira edição do Prêmio Não Aceito Corrupção, apoiado pelo SBT News

A terceira edição do Prêmio Não Aceito Corrupção, criado pelo instituto homônimo (Inac) e que visa a estimular graduandos e pós-graduandos, jornalistas e gestores de empresas a aprofundarem a discussão sobre conceitos e soluções práticas ligadas à corrupção e ao combate dela no país, vem em meio a um cenário no qual, segundo especialistas, esse enfrentamento no geral não é feito de forma efetiva, reforçando a importância da iniciativa.

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De acordo com a doutora em direito penal e diretora nacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) Maria Carolina Amorim, essa ineficácia ocorre apesar do aperfeiçoamento da legislação e da criação de mecanismos jurídicos, legais e administrativos para combater esse crime, como a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), de 2003, a Lei Anticorrupção, de 2013, e a Lei de Acesso à Informação (LAI), de 2011; e fica demonstrada pelos indicadores (nacionais e internacionais) sobre a percepção da prática criminosa no país. "O Executive Opinion Survey apontou a corrupção como 'o terceiro maior impeditivo para a realização de negócios no Brasil pelo setor privado, em 2017'", pontua.

Outro indicador citado pela especialista é o Relatório Retrospectiva 2021, da Transparência Internacional, segundo o qual o Brasil ficou na 96ª posição no ranking do Índice de Percepção da Corrupção. Conforme o índice, o país alcançou 38 pontos, em uma escala de 0 a 100, no nível de desempenho contra o crime, ficando abaixo da média global (43 pontos) e dos países da América Latina e Caribe (41 pontos). O número também é inferior à pontuação média do G20, grupo formado pelas maiores economias do mundo, que teve 54 pontos. E os principais fatores que interferem no índice, diz Amorim, "nascem da ingerência por parte dos governos em instituições que atuam diretamente no combate à corrupção, como a Polícia Federal, o Ministério Público, o COAF, o Tribunal de Contas, o CADE, a CGU e demais órgãos de controle". Segundo ela, o caminho para garantir a essencial independência desses órgãos é "longo".

Entretanto, avalia a diretora do IBCCRIM, "é inegável que houve uma transformação na aplicação do direito penal brasileiro, nas últimas décadas, a qual inegavelmente pendeu a um endurecimento de penas e diminuição dos direitos dos acusados, no raciocínio - equivocado, frise-se - de que uma redução de garantias representaria resultados no combate ao crime". Já Paula Schommer, doutora em administração de empresas, professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e integrante do grupo e pesquisa Politeia -- que passou a fazer parte do Conselho de Transparência Pública (CTPCC) da CGU --, analisa que, "nas últimas décadas, a gente vem construindo muitos avanços no combate à corrupção no Brasil, mas que nos anos recentes a gente teve um retrocesso". "Então é um momento delicado, tem uma série de fatores que explicam porque que é um retrocesso, mas não quer dizer que toda construção é perdida. A gente tem muitas aprendizagens e avanços que podem ser retomados e também, ainda que haja retrocessos, em algumas áreas a gente continua avançando".

Um dos fatores causadores dessa involução, explica a professora, é "uma resistência maior à transparência". "Por exemplo, a maior evidência disso é a questão do [chamado] orçamento secreto [ou emendas de relator] no Congresso Nacional, que é um retrocesso porque a gente vinha construindo essa premissa de que todo o orçamento público tem que ser transparente. Com um certo mecanismo de classificação das emendas que se criou, se tornou difícil ter os dados pela transparência sobre quem são os proponentes, e isso é um retrocesso. Outro exemplo é uma atuação mais limitada de órgãos de controle, como o Ministério Público [federal e estaduais]. Teve outros momentos que ele atuou talvez em excesso, de uma forma equivocada, mas era bastante ativo, e hoje em dia é um órgão menos ativo em algumas questões que seriam importantes sua atuação", acrescenta. Entre essas áreas, a do meio ambiente e a de direitos humanos.

O jurista Miguel Reale Júnior concorda que o enfretamento à corrupção no país regrediu recentemente: "Nós temos visto uma Procuradoria-Geral da República muito mais omissa, muito menos atilada e voltada para o combate à corrupção. As forças-tarefas, que se constituem como uma estratégia importante na luta contra a corrupção, elas foram desfeitas. Nas suas tarefas foram criadas as chamadas Gaecos, que não tem meios, não tem pessoal, não tem condições de trabalho e, por isso, se reduziu muito a apuração de corrupção no setor público por via da PGR. Isso é lamentável".

Se não combatido corretamente, esse delito, relembra a doutora Maria Carolina Amorim, "traz, na população, o sentimento de impunidade e descrença nas instituições". "Tal sentimento mostra-se nocivo na medida em que autoriza, no imaginário popular, os pequenos atos de corrupção e o conformismo com os grandes atos. A generalização da permissividade com a obtenção de vantagens ilícitas é extremamente maléfica à sociedade", completa. Ela alerta ainda, porém, que uma "implacável busca" por punição a esse crime pode levar a um prejuízo aos direitos fundamentais ou a uma posterior anulação do ato de combate pelo próprio Poder Judiciário.

A professora Schommer, por sua vez, entende como pior consequência da corrupção "a perda de vida, por exemplo, quando a gente tem uma taxa altíssima de assassinatos no Brasil". "Então morrem pessoas porque a gente não é capaz de combater as causas que levam a essa criminalidade".

Um segundo problema provocado por esse combate não efetivo, ressalta, é a baixa de qualidade dos serviços públicos, como a merenda escolar. "Se a gente tem fraude na merenda escolar, significa que a qualidade dela, da alimentação que as crianças estão recebendo na escola, vai ser pior. E isso significa que elas vão ter uma fragilidade também na sua saúde e na sua educação, o que compromete o desenvolvimento das crianças e do país como um todo", afirma. Ainda segundo Schommer, por esses motivos, a corrupção leva a uma perda de confiança dos cidadãos entre si e deles com as instituições e empresas.

Soluções

A diretora do IBCCRIM defende três medidas para a redução da corrupção no Brasil: "(I) a expansão e fomento dos canais de denúncia; (II) o fortalecimento e autonomia dos órgãos investigatórios e de programas de boa governança corporativa e ética empresarial, e também (III) uma mudança de mentalidade na população para não mais aceitar práticas generalizadas, agindo, cada de um nós, como agentes fiscalizadores".

Já a professora da Udesc pondera que a corrupção "nunca acaba" e, para reduzi-la, leva bastante tempo. "Então eu diria que de imediato, o que a gente pode e deve reforçar são os mecanismos de transparência, porque o Brasil avançou bastante nisso, a gente não pode perder o que a gente conquistou. Outra área é uso de dados, de publicação de dados abertos, de análise desses dados, para melhoria de qualidade de serviços, com participação cidadã. Então vai por essa linha transparência, dados e participação cidadã", completou. Para ela também, "não adianta ter os dados, você ter transparência, se você não tiver a participação de quem usa o serviço, de quem precisa daquela informação".

Na avaliação de Schommer, tem avançado, em governos estaduais, a transparência e a participação cidadã, e, no meio empresarial, a construção de programas de integridade e compliance, itens que contribuem para o combate à corrupção. Compliance, explica ela, "tem muito a ver com com conformidade a nornas, regras, procedimentos, e também tem conexão com código de ética, com o código de integridade. Então ele tem uma dimensão que é mais de valores, de questões éticas que cada organização ou cada empresa, ou cada órgão define como importante, mas ele precisa ter junto com esses valores, digamos, o que se preza como princípios éticos, a gente precisa ter os instrumentos, as regras, os regulamentos".

Segundo Rodrigo Bertoccelli, diretor do Inac e especialsita em compliance, atualmente, para sobreviver, "a empresa precisa demonstrar que tem compromissos com a sociedade, com o meio ambiente". "Nós não toleramos mais ofensas ao meio ambiente, práticas de corrupção. Hoje isso tem um preço. A falta de ética impacta nos negócios", acrecentou. Ainda de acordo com ele, "à medida que a empresa investe em compliance, investe em gestão de riscos, ela contribui também para o meio ambiente, com a sociedade".

Miguel Reale Júnior, por sua vez, afirma ser "muito importante esta área de atuação das próprias empresas através de compliance, através de busca de condutas estabelecidas como regra dentro da empresa, e também a própria corrupção privada". "Porque existe o lado da corrupção pública, que é a oferta de vantagens ilícitas ao administrador público que concede o recebimento de propina para deixar de cumprir o seu dever, e existe também possibilidades de uma corrupção privada. Ou seja, um diretor de uma empresa que, contrariando o seu dever de fidelidade a ela, faz o negócio nocivo para a companhia, mas no qual ele recebe uma participação, por exemplo".

Ainda refletindo sobre como a sociedade pode atuar para combater esse crime, Schommer ressalta que o meio acadêmico é um local onde podem surgir iniciativas voltadas a esse enfrentamento. O grupo de pesquisa Politeia, da Udesc, por exemplo, possui um projeto de estudo aplicado com prefeituras de Santa Catarina para desenvolver um padrão de dados abertos para compras e contratações públicas. "E é uma área que tem muita margem para corrupção. Se a gente tiver esse padrão de dados abertos e tivermos a adesão aí de todos os municípios, a gente tem um potencial gigante, tanto para controle, redução de fraudes e corrupção, mas também sobretudo para comparação de preços, por exemplo. Para melhorar a gestão do processo de compras, permitir comparabilidades", explica a professora.

Prêmio Não Aceito Corrupção

Estão abertas as inscrições da terceira edição do Prêmio Não Aceito Corrupção, apoiada pelo SBT News. Além de estudantes de graduação e pós-graduação de qualquer área, também poderão se inscrever jornalistas e empresários. O Instituto Não Aceito Corrupção (Inac) é uma associação civil, apartidária, fundada em 2015. 

As categorias do prêmio são: jornalismo investigativo, empresas e academia, este último dividido nas subcategorias projetos acadêmicos e tecnologia. As inscrições vão até o dia 2 de maio, e a premiação será em 27 de julho.

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