Brasil

"Conta não vai fechar": universidades dizem que orçamento é insuficiente

Presidente da Andifes vê ano difícil para o ensino superior público com verbas previstas para 2022

Universidades vazias, trocas de conhecimento somente on-line e muito estudo. Este tem sido o cenário do ensino público superior brasileiro desde 2020, quando a pandemia da covid-19 foi declarada no Brasil e no mundo. 

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Em março, mês em que o período pandêmico completa dois anos no país, o planejamento das instituições federais é outro: a ideia é a adoção do ensino 100% presencial. Retorno dos alunos, dos funcionários, professores, volta às salas de aula, reabertura do restaurante universitário, aumento do uso da água, da luz, manutenção do espaço. Assim, os gastos vão aumentar e há o receio de que a conta não feche. 

Presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o reitor Marcus David enxerga um ano difícil para as universidades federais (UFs) no país. Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022 reservou R$ 5,3 bilhões para os gastos das UFs. Cerca de R$ 1,7 bilhão a menos que o solicitado pelos reitores das universidades durante as negociações no Congresso Nacional e na Esplanada. Depois de passar pelo Congresso, o orçamento aprovado pelo presidente para o Ministério da Educação contou ainda com o veto de R$ 790 milhões. 

Para comparação, no último ano antes da pandemia, em 2019, o orçamento foi de R$ 6,1 bilhões para 69 universidades federais. Em 2020, caiu para R$ 5,5 bilhões e, em 2021, teve uma queda brusca para R$ 4,5 bilhões. O economista e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Felipe Queiroz afirma que o orçamento de 2022 não vai ser suficiente para este ano. "Além de ser inferior ao período pré-crise, o orçamento está abaixo do mínimo necessário, para manutenção da própria condição de vida das universidades, ou seja, o orçamento atual não possibilita que a maior parte das instituições de ensino superior cheguem até o final do ano", destaca. 

Na última 5ª feira (10.fev), o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Ministério da Educação e o Congresso Nacional expliquem o motivo da redução dos recursos previstos no Orçamento de 2022 para universidades e institutos federais do país.

Para o economista, as universidades podem parar por falta de orçamento a partir do início do próximo semestre, ou seja, no segundo semestre de 2022, se não houver nenhuma mudança. Dois anos depois do início da pandemia e com cerca de 14,58% de inflação acumulada -- em 2020, o ano fechou com 4,52% e, em 2021, chegou a 10,06% --, o ano de retorno presencial dos estudantes pode ser marcado por dificuldades. "Gastos com restaurantes universitários vão subir fortemente, as tarifas públicas de energia, os combustíveis da nossa frota vão subir. Então nós vamos ter muitas dificuldades de operação em 2022", destaca Marcus David. 

Novo cenário

A diretora do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Claudia Costin, afirma que o Ministério da Educação e o Congresso, mesmo com reuniões e negociações com reitores, não ouviram as demandas das universidades federais durante a elaboração do Orçamento. "Normalmente no passado se fazia isso. Inclusive olhando para o plano de ação de cada universidade. Porque as universidades têm papéis regionais também, então é importante que isso se faça em diálogo. Infelizmente não foi assim que foi feito", diz. 

A professora ainda ressalta que, em 2022, haverá mais gastos para receber e ajudar estudantes egressos do ensino médio remoto. "Se não se cuidar bem desse nivelamento dos alunos na entrada na universidade, as chances de desperdiçamos dinheiro são grandes. O abandono escolar ou a evasão na universidade já eram grandes, agora se o aluno entra e não consegue acompanhar, não consegue ter algum tipo de sucesso acadêmico, as chances dele achar que não funciona bem nesse ambiente -- com a pressão eventualmente da família para que ele trabalhe-- e as chances de abandonar o curso são grandes", explica. Costin ressalta a desigualdade de ensino entre os estudantes, com alguns tendo acesso aos computadores e meios de aprendizado on-line e outros, de populações socialmente vulneráveis, não conseguindo estabelecer a conectividade e tendo ainda mais perdas educacionais. 

Para a reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Pires de Carvalho, o baixo orçamento para as universidades se configura como o principal empecilho para o retorno às aulas presenciais. "As universidades estão com protocolos e guias de biossegurança, estão organizadas. O trabalho foi feito com muita seriedade para a ampliação das disciplinas presenciais, mas qual é o gargalo para o pleno retorno presencial? É justamente o orçamento. A maior parte das salas de aula não tem ventilação adequada, não tem equipamento para se fazer filmagem para estudantes que são de risco ou apresentam sintomas gripais e precisam ficar em isolamento", elenca a professora. 

Ainda segundo a reitora, as universidades fizeram o seu dever de casa, no entanto, sem orçamento mesmo para a limpeza ou manutenção, o ideal de fazer uma transformação digital nas salas de aula das instituições é inalcançável. "Falta um olhar do MEC sobre a questão, o vírus ainda está ai, mas como voltar à sala de aula sem distanciamento social, no subsolo, com umidade, com mofo? Além de termos acumulado décadas de sucateamento da infraestrutura de salas de aula, precisamos equipá-las e colocá-las com tecnologias no século 21. Isso antes era necessário, agora é fundamental", ressalta Denise Carvalho. A professora defende um ambiente universitário híbrido e que garanta a presencialidade do estudante, além de possibilitar que quem não puder ir possa ter acesso remoto. 

Procurado pela reportagem, o Ministério da Educação não se posicionou sobre a redução no orçamento das instituições federais.

A distribuição do dinheiro na universidade

As universidades federais são como autarquias federais, órgãos do governo federal. Elas são integralmente financiadas com os recursos do Orçamento Geral da União. São recursos consignados no Orçamento que permitem um funcionamento e a manutenção das universidades.

Quando o dinheiro chega na universidade, é direcionado para dois grupos: as despesas obrigatórias e as discricionárias. 

As despesas obrigatórias incluem os gastos com pessoal. Ou seja, salário do pessoal ativo, dos servidores públicos, dos professores e dos técnicos administrativos. Essa é a parcela também utilizada para pagamento dos inativos, dos professores e técnicos aposentados e dos pensionistas da universidade. 

Já as despesas discricionárias são aqueles recursos que as universidades recebem anualmente para fazer a manutenção da instituição. A quantia mantém o funcionamento da universidade, paga suas despesas fixas, paga os seus contratos de serviço todos os programas de bolsas para estudantes bolsas de iniciação científica, bolsas de monitoria, bolsas de extensão universitária e são todas feitas com esse recurso. Não é possível pegar recurso de pessoal e usar para pagar despesa de bolsas ou para pagar uma conta de luz.

Segundo Marcus David, as despesas obrigatórias do Orçamento do governo são controladas rigorosamente e as universidades só vão receber o estritamente necessário para o pagamento dos salários de professores e da equipe durante todo o ano. "Então esse recurso obrigatório, a universidade não tem uma gestão tão direta sobre ele. A gente faz a gestão efetiva é com essa parcela do orçamento discricionário", detalha.

Confira abaixo quanto foi destinado para cada universidade e instituto universitário no ano de 2022 (levantamento foi fornecido pela Consultora de Orçamentos do Senado Federal): 

Possíveis soluções 

Além de dificuldades, o ano de 2022 vai ser marcado por reuniões e negociações com os parlamentares e ministros. Marcus David, presidente da Andifes, garante que vai continuar tentando sensibilizar o Poder Executivo sobre os obstáculos que as universidades vão enfrentar neste ano. 

"Já comecei a receber telefonemas de reitores preocupados com o orçamento de suas instituições. Quando eles começam a fazer as projeções para um ano de funcionamento pleno, de funcionamento presencial, a conta não vai bater, a conta não vai fechar. Então a nossa expectativa é sensibilizar o governo, sensibilizar o Congresso, nós vamos precisar de um projeto de lei que recompõe o orçamento das Universidades em 2022."

Para Claudia Costin, é preciso diálogo com as universidade e políticas públicas para fortalecer o ensino superior público no país: "Conectar as universidades, mas com um projeto de desenvolvimento do país, dar autonomia para as instituições, pensar em como que isso se conecta com um modelo de país. É preciso sair do campo dos embates ideológicos e entrar mais na discussão de políticas públicas que façam o Brasil avançar mais nessa nessa era do conhecimento na 4ª Revolução Industrial". 

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