Exclusivo: licitações no DF foram disputadas por mulher, marido e amigo

Licitações públicas na área da Educação no Distrito Federal para reformas em quadras esportivas foram disputadas por pessoas conhecidas: mulher, marido e amigo concorreram em mesmo certame como empresas diferentes, mas vinculadas. Contratos ao qual o SBT News teve acesso mostram o caso em licitações realizadas pela Regional de Ensino do Plano Piloto. Ao todo, três construtoras estão envolvidas, sendo que duas venceram o certame. O contrato foi feito para realizar a construção de coberturas metálicas das quadras em escolas da rede pública. 

Uma das empresas que venceu a licitação se chama Thays Lopes Alves de Deus, com nome fantasia de Alves e Araújo Serviços e Comércio. A outra companhia vencedora responde pelo nome de MJB Construtora Eireli, com nome comercial de Construtora São José. 

Ao avaliar os contratos firmados entre a Regional do Plano Piloto e as duas construtoras, no entanto, o SBT News notou algumas similaridades entre as empresas. Tanto a Thays Lopes, quanto a MJB, são da mesma cidade: Planaltina, no Distrito Federal. As empresas também apresentam o mesmo endereço de e-mail no site da Receita Federal.

As duas construtoras também foram abertas em datas próximas. A Thays Lopes, no dia 16 de Junho de 2020, e a MJB Construtora Eireli cerca de um mês depois, em 14 de julho. Por telefone, Thays Lopes - dona da empresa a qual tem o próprio nome - informou que a construtora também emite nota fiscal para a MJB. 

A terceira empresa envolvida atende pelo nome de Innovar Serviços e Comércio de Construção, com título de Innovar Construção. A companhia aparece em várias licitações como a segunda opção para realização do serviço da construção de estrutura metálica. Um dos sócios-administradores da empresa atende pelo nome de Divino Pereira Araújo Júnior. De acordo com o Diário de Justiça do Distrito Federal (DJDF), Divino Pereira casou-se com Thays Lopes há 11 anos. Por telefone, a empresária confirmou a união entre os dois. 

Indício de fraude

Daniela Gomes, advogada especialista em licitações, diz que a relação de parentesco entre instituições licitantes pode ser um indício de fraude. "Apesar da legislação não trazer essa questão de grau de parentesco, é vedado que o responsável técnico responda pelas duas empresas. Ou seja, se a mesma engenheira é responsável por duas empresas, essas companhias não podem participar em conjunto da mesma licitação", diz Daniela Gomes.

Serviços 

Os serviços foram realizados em quatro escolas do Plano Piloto, sendo duas na Asa Sul e outras duas na Asa Norte. São elas: Centro de Ensino Fundamental Polivalente, Centro de Ensino Médio Setor Oeste, Centro de Ensino Fundamental GAN e Centro de Ensino Médio Paulo Freire. Na parte Sul os serviços foram realizados pela empresa Thays Lopes. Na parte Norte, pela MJB Construtora Eireli. 

As obras começaram a ser realizadas em novembro de 2020. Nesta época, tanto a Thays Lopes, quanto a MJB Construtora Eireli, tinham menos de um ano de mercado, segundo o que consta no site da Receita Federal. Mesmo assim, as duas empresas foram vencedoras da licitação pública. 

Nas duas construtoras a mesma engenheira ficou responsável pelo contrato das obras. Trata-se de Luana Maria Aurélia Alencar. Nos documentos obtidos pelo SBT News, cada obra custou mais de 500 mil reais. O montante final ultrapassou os R$ 2 milhões e R$ 200 mil. No entanto, Luana Alencar lançou no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-DF) valores bem menores.
 

Acontece que para comprovar a realização de qualquer serviço, todo engenheiro precisa registrar os valores das obras no Crea-DF. Isso é feito por meio de um documento chamado de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART). Apesar de cada obra ter custado mais de 500 mil, Luana Alencar registrou no órgão valores inferiores a 200 mil. 

À reportagem, o engenheiro Gutemberg Rios, que possui vínculo com o Conselho Regional de Economia e Agronomia do DF (Crea-DF), explicou que os valores das notas precisam ser os mesmos da ART: "Se o registro for de engenharia e aquilo só cabe a parte de engenharia, ela vai registrar apenas isso. Mas se a empresa a contratou para realizar o serviço por um valor, ela precisa registrar esse total no documento. Porém, se a profissional está fazendo o registro pela empresa, os valores das notas precisam ser iguais ao da ART".

Todos os serviços foram pagos por meio de cheques e com recursos do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (Pdaf). Os documentos foram assinados por Edilene Maria Muniz, ex-coordenadora da Regional de Ensino do Plano Piloto, exonerada pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) no início de agosto.

Investigações de superfaturamento
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a Corregedoria-Geral do Distrito Federal (CGDF) e a Polícia Civil do DF (PCDF) investigam casos de superfaturamento e uso indevido de recursos do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (Pdaf). 

Para tentar melhorar a transparência dos serviços do Pdaf, a Secretaria de Educação decidiu tornar público os casos do programa. Além, também, de ter anunciado recentemente o Cartão Pdaf, uma plataforma que tem por objetivo dar mais agilidade e transparência aos gastos públicos do recurso escolar. 

O que dizem os envolvidos

O SBT News entrou em contato com todos que foram citados na matéria. Luana Alencar confirmou que é a engenheira responsável pelos serviços, mas que não sabia o valor total da obra e, por isso, registrou no Crea-DF um valor qualquer. Thays Lopes Alves de Deus informou que é a dona da empresa e que o marido, Divino Pereira Araújo Júnior, realmente é sócio-administrador da Innovar Serviços e Comércio de Construção. 

Tanto Thays Lopes, quanto Luana Alencar, disseram que os serviços prestados estão dentro do previsto em Lei. Marcos José de Barros, dono da MJB Construtora Eireli, também foi contactado. O empresário relatou que diretores de várias instituições de ensino procuram o serviço da empresa, mas que tudo é feito dentro da legalidade. Ainda disse que Thays Lopes indicou a engenheira Luana Alencar para o serviço realizado. 

Já a Controladoria-Geral do DF relatou, em nota, que os fatos mencionados na matéria se relacionam a um processo investigativo preliminar que analisa possíveis irregularidades envolvendo o programa Pdaf.

Confira parte dos outros documentos ao qual o SBT News teve acesso:

*Estagiário sob supervisão de Minane Ribeiro