Brasil

Debate sobre privatização é constante na história dos Correios

Empresa é marcada pela universalização do serviço postal; PL sobre exploração pela iniciativa privada tramita na Câmara

No ano em que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) -- os Correios -- completou 52 de existência, as discussões sobre a necessidade ou não de desestatizar o serviço postal no Brasil vêm à tona com intensidade não observada em qualquer outro momento nas últimas duas décadas, devido à tramitação do Projeto de Lei (PL) 591/21, que foi entregue à Câmara dos Deputados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em fevereiro e possibilita a passagem da companhia para a iniciativa privada.

Porém, essa não é a primeira vez que o embate de argumentos a respeito do tema ocorre e encontra-se tão próximo de culminar em uma mudança de fato. Mesmo na criação da ECT, em 1969, ele também esteve presente. Isso é o que explica o doutorando e mestre em geografia humana pela Universidade de São Paulo (USP) Igor Venceslau, autor do livro Correios, logística e usos do território brasileiro - que será lançado em 13 de julho. Em entrevista ao SBT News, ele explicou que, na época, houve uma "discussão pelas elites brasileiras e um movimento também dos trabalhadores que tentava encontrar outras alternativas [para o serviço postal]".

Até aquele período, o envio e entrega de correspondências e encomendas nunca havia assumido o formato de uma companhia. Segundo Igor, entre a década de 30 e o final da década de 60, ele ficava a cargo de um departamento público denominado Departamento de Correios e Telégrafos. Antes disso, assumiu diferentes formas. "Teve uma época, por exemplo, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal, que esse serviço era oferecido através de alguém que era indicado pelo rei de Portugal, que cuidava do oferecimento desse serviço, mas ele só começou a ser pago quando foi inventado o selo, ali mais ou menos em 1850", afirmou.

Ainda em suas palavras, "ele sempre foi oferecido publicamente, pela autoridade do Estado, mas teve uma parte em que não era pago pelo remetente, só pelo destinatário. Depois, com a invenção do selo, em 1850, começou a ser pago pelo remetente". Posteriormente, quando teve início a discussão sobre a mudança no modelo, em 1969, entre as propostas apresentadas estiveram pelo menos três: instituir a ECT, implementar uma autarquia -- para dar mais independência ao empreendimento -- ou a privatização, que atendia ao lobby e interesse de empresas que viriam a se transformar em multinacionais, como a Fedex, DHL e UPS. Estas viam no Departamento de Correios um concorrente para seus negócios.

No fim, a ECT venceu as outras duas alternativas e, por ser uma companhia, concretizou no país a ideia de oferecer o serviço postal ao mesmo tempo em que visa o lucro. O motivo de a privatização não ter ido para frente, diz o doutorando da USP, é que "o Brasil estava naquele momento num movimento contrário, estava criando sua empresa pública e querendo universalizar esse serviço como um direito, então, portanto, exercido pelo Estado".

Para Igor, a criação da ECT em 1969 constituiu um "movimento importante, de modernização administrativa". "Permitiu por exemplo que os Correios como empresa universalizasse o serviço postal no Brasil, que significa poder, a partir de então, ser oferecido em todos os municípios", explicou. "Então, foi sob o formato de empresa pública que o serviço postal se tornou um direito no Brasil, depois na Constituição de 1988, um direito de todos os municípios, de todos os lugares, e além disso, ao mesmo tempo em que ele se tornava um direito de todos os lugares, foi se modernizando e criando produtos novos, como o Sedex, que seria o mais emblemático, foi criado em 1982", completou.

A volta das propostas de privatização

Após perderem força na década de 80, as propostas de privatização dos Correios retornaram nos anos 90, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Isso foi incentivado, segundo Igor, não realmente devido a problemas no formato do serviço postal, mas -- como sempre ocorreu -- principalmente por causa da "conjuntura de um governo que tem um entendimento de que o Estado deve ser o Estado que não provê por meio de suas empresas os serviços, mas sim apenas o Estado regulador". Dessa forma, acrescenta, a ideia de desestatizar a ECT "estava dentro de um grande 'guarda-chuvas' de privatização que em alguns casos aconteceu, por exemplo da Vale, no setor de telecomunicações ou nos bancos públicos".

Mais uma vez, entretanto, a privatização não foi levada adiante. Depois, os governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff não voltaram a propô-la, diferentemente das gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro no Executivo federal. De todo modo, desde a criação da ECT, avalia Igor Venceslau, houve uma mudança na importância dos Correios para a sociedade brasileira. Antes relacionada principalmente à comunicação, ela é hoje observada cada vez mais no comércio eletrônico -- devido ao fato de a empresa abranger todo o Brasil -- e no que o pesquisador chama de "braço logístico do Estado para políticas públicas".

"Uma dessas políticas públicas essenciais é a distribuição de vacinas. Boa parte dos municípios recebe as vacinas, não só agora da covid-19, mas especialmente as vacinas do calendário regular, pelo serviço postal. Outra dessas políticas públicas é a distribuição de livros didáticos em todas as escolas públicas", disse. Ele cita ainda a distribuição das urnas eletrônicas, para as eleições, e das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Consequências do PL 591/21

Procurado pelo SBT News para comentar sobre quais os principais objetivos de propor uma privatização dos Correios e quais consequências uma eventual aprovação do PL 591/21 traria, o governo federal não retornou. Mas o espaço permanece aberto para manifestações. No mês passado, em votação sobre o regime de urgência do texto na Câmara dos Deputados, Capitão Alberto Neto (Republicanos-MA), da base governista, disse que o Executivo "tem uma pauta liberal, e os setores têm de ser privatizados e regulados pelo governo". O deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), por sua vez, afirmou que "a dívida pública do país cresceu em larga escala durante a pandemia, por isso racionalizar os gastos públicos e modernizar a administração pública devem ser prioridade".

Já Igor Venceslau acredita que "uma primeira consequência seria um passo atrás nas políticas públicas, porque seria muito difícil para o Estado, sobretudo o Estado brasileiro, com o Teto de Gastos e outras leis que foram recentemente aprovadas, conseguir pagar por esse serviço, para entrega de livros didáticos, de vacinas e de urnas eletrônicas por meio da iniciativa privada". Segundo ele, pode ocorrer ainda o fechamento de agências dos Correios, de forma similar ao que teria sido registrado em países que privatizaram o serviço postal, como a Argentina. "Quando comprados por empresas privadas, geralmente naqueles lugares em que a agência não era lucrativa, esse empreendimento foi fechado", pontuou o doutorando.

Em uma audiência pública na Câmara dos Deputados em 12 de maio, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, garantiu que "nenhuma casa que recebe encomenda, que recebe alguma carta dos Correios, vai deixar de receber se entrar alguma empresa de fora, caso venha acontecer a privatização ou uma concessão". 

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